Sem nenhuma intenção de tratar o samba de forma pejorativa, pelo contrário, aquilo era a forma mais carinhosa que encontravam para equilibrar na balança a tendenciosa vertente que ganhava corpo na mídia, de que o jazz sozinho acabara de descobrir uma nova luz para a música brasileira. De fato, a harmonia ganhou muito com a fusão jazz + samba, só que as composições num todo não se equilibrariam sem o viés das crônicas do cotidiano que nasciam da ginga malemolente do compasso binário do samba.
Samba de uma nota só, Samba do avião, Samba da benção, Samba do Soho, Samba da volta…E vai por aí uma série infinda de composições que nasceram nessa época, das lavras de um e/ou do outro, com outros parceiros, inclusive. Águas de Março, afinal, é um samba? É bossa-nova? Rótulos que só atrapalham o brasileiro a se entender e se identificar, daí a sigla MPB – que não deixa de ser outro rótulo – para abrigar sobre suas asas as belas composições brasileiras, independente do rótulo guia.
Quando surge um violão educado numa roda de samba, violão que domina todos os “rótulos” musicais, alguém pede pra se tocar “Alvorada”, de Cartola&Carlos Cachaça&Hermínio Bello de Carvalho e, em seguida, emenda pedindo “Águas de Março”.
Ambas as músicas requerem conhecimento de harmonização, senão “derrubam” o violão literalmente…E ambas requerem o compasso binário do samba, senão não se acompanham. Uma criada e curtida na cachaça das tendinhas do morro de Mangueira, outra sorvida num apartamento zona sul temperada em Ballantines, após parto prematuro num sítio do interior fluminense…Que diferença faz? Ambas geniais, ambas recortando o ambiente musical brazuca. Uma abre, em sua alvorada, a temporada, a outra, fecha, com as mágoas das últimas chuvas, todos os anos, nossos verões…
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 17/03/2011