Outro dia mesmo, um dos canais abertos de TV que agora não me lembro,
exibia uma reportagem de média duração com o Grupo Fundo de Quintal, o
qual ficara célebre em nossa MPB no início da década de 1.980, conduzido
que foi à mídia pelas mãos da “madrinha” Beth Carvalho. Foi um momento
de reativação do samba, sufocado que estava ao final da década de 1.970
pela onda “discoteque”, onda que, inclusive, motivara João Nogueira e
outros bambas a fundarem no Rio de Janeiro o Clube do Samba. Nessa
reativação, surge no universo sambístico o repique de mão, o banjo e a
possível substituição – desde que criteriosa e conjugada a uma boa
execução – do atabaque em lugar do surdo. Devido à maneira espontânea
dos encontros de seus integrantes – após futebol recreativo, reuniam-se
na quadra do Cacique de Ramos, entre bebes e comes, para cantar
composições próprias – mais do que rapidamente se introduziu no
imaginário até de quem não vivenciava tais reuniões o conceito/termo
pagode, fiel tradução de uma roda de samba, na qual, diga-se de
passagem, não há necessidade de se amplificar o som, já que todos
prestariam atenção e, com isso, menos ruídos e mais som para se apurar
as idéias. Muitos nomes ali se revelaram, além do próprio grupo, que se
tornou unanimidade e fonte de inspiração pra muita gente cair no samba e
criar novos grupos. Almir Guinéto, Jorge Aragão – que aliás
participaram da primeira formação – Zeca Pagodinho, Mauro Diniz, entre
tantos outros, por via indireta deram força para a turma que havia
chegado antes, como a própria Beth, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila,
Paulinho da Viola, Ivone Lara…O samba havia voltado com tudo, reaberto
seu espaço, modernidade e tradição conjugando a brasilidade. Eis que de
repente – e é sempre de repente – que um oportunista produtor artístico
de uma gravadora, de nome Wilson Poso, percebeu que poderia auferir
muito mais lucro se aproveitasse a “onda” e forjasse um novo rótulo
musical pra consumo, e, da noite para o dia, “inspirado” nas vendas
recordes do primeiro LP de Zeca Pagodinho, cria para o mercado
fonográfico o termo pagode, como se fosse um novo ritmo, derivado do
samba, com letras mais do que comerciais, melodias óbvias, cujo primeiro
representante campeão de vendas fora o grupo Raça Negra. Bem, nem é
difícil dizer o que se sucedeu. O pagode inventado superou o samba
cronista, o próprio Fundo de Quintal adentra a década de 1.990 com muita
dificuldade, outros dois de seus integrantes – Arlindo Cruz e Sombrinha
– deixam o elenco e, paulatinamente, para não sair do mercado, grupo e
ex-integrantes, entre muitos outros, absorvem a “sugestão” de se compor
com letras mais óbvias, temas mais diretos, melodias cada vez mais
pobres, para continuarem sendo chamados para shows e terem espaço nas
gravadoras. E assim, chegamos ao limiar do novo século, nesta nova
década, com o samba muito vivo mas escondido, pulsante mas não irradiado
pela mídia, se renovando e não apelando nas comunidades que perceberam o
engodo, e com o pagode tomando conta da cena midiática, claro. Questão
da lei da oferta e da demanda, dirão os especialistas…
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 21/10/2011