A “EVOLUÇÃO” DO SAMBA

A gravação de “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida – o “peru dos pés frios” – no longínquo 1.917, marca o registro pioneiro do termo samba nos acetatos da Casa Edson, polo da indústria fonográfica da época. Em verdade, a levada original era de um maxixe, com três acentuações dos graves em seu compasso. A mudança para o compasso binário reconhecido e praticado até hoje se deu pouco tempo depois, 1.928, quando da fundação da primeira escola de samba, a “Deixa Falar”, no Largo do Estácio, pela concepção de Ismael Silva, Bide, Marçal e outros bambas, que argumentavam ser impossível uma escola desfilar com as três acentuações amaxixadas.
Viramos o milênio, o samba já é nonagenário, faltando pouco para se tornar secular, e como é de praxe em nossa cultura ocidental buscar e traçar, qual seria a sua linha evolutiva?…Engraçada a palavra evolução, por sinal, extremamente paradoxal em nossa sociedade, como nos alerta o mestre armorial Ariano Suassuna, segundo o qual o homem desenvolve grandes avanços científicos dos quais fica refém e, o que é pior, não distribui seus benefícios para a população que não pode pagar para usufrui-los.
O que seria a evolução de um gênero musical? A mixagem de células dos vários gêneros globalizadamente hoje conhecidos(?), como pensam e infelizmente praticam muitos dos ídolos criados pela mídia na década de 1.990, onde xote, samba e pop se intercalam dentro de uma harmonia, onde violinos, teclados com samplers e guitarras distorcidas buscam uma nova sonoridade???…Creio que esta seria uma discussão que daria e dá muito pano pra manga, mas não vamos mergulhar por aqui, até porque o que rola no mundo após a queda do muro de Berlim tem como fundamento principal a destruição das identidades locais, trocadas por uma única identidade global, seja no vestir, seja no comunicar, seja no cantar.
Como somos naturalmente a favor de se acentuar as identidades locais, a evolução – não como a busca neurótica pelo “novo”, tal qual nos instiga diariamente a indústria cultural – no caso do samba, poderia ser “medida” pelo aparecimento de novos sub-gêneros e/ou novos instrumentos complementares ao seu quarteto básico cavaco/violão/surdo/pandeiro. E essa evolução se deu e continuará se dando, desde que mantida a tradição que se expressa em suas mensagens, basta olhar para o samba de breque do Moreira da Silva de 1.936, ou para o samba-de-enredo do final da década de 1.930, pro samba-canção das décadas de 1.940/1.950, da introdução de repique de mão/repique de anel/banjo/rebolo e outros instrumentos percussivos, que claramente acrescentam sonoridades e abrilhantam até melodias antigas, dependendo do bom gosto do arranjador musical. A receita da evolução é bem simples, como se vê e se ouve, e, sem precisar de fórmulas impostas pelos donos das multinacionais fonográficas, modernidade e tradição continuarão de mãos dadas, sambando à vontade, mas contra a vontade desses donos midiáticos…