Três verbos de fonéticas semelhantes, no
entanto, com sentidos até paradoxais e consequenciais. O primeiro deles,
aliás, só nos deparamos, via de regra, nos entornos dos processos
eleitorais, ficando empoeirado na prateleira das palavras durante o
ciclo da existência de cada pessoa, já que o ser humano é avesso a
praticamente todos os ajustes de rota que a vida nos intui e indica.
O segundo deles é, ao contrário do primeiro, o que o país mais
pratica, desde os primórdios da desocupação forçada e genocida aos
indígenas – que os livros didáticos de História insistem em chamar de
descobrimento do Brasil – seguindo princípios da anti-democracia e
patrimonialismo, onde as autoridades confundem o público com o privado
e, para se sentirem politicamente corretas, criam milhares de leis (que
eles mesmos normalmente não cumprem) para o cidadão comum cumprir,
apenas, pois os legisladores e parentes sempre acabam isentos, como as
tradicionais “carteiradas” em multas de trânsito.
Agora o terceiro da lista, mutar, seria digno de um estudo
sociológico de nossas raízes ancestrais. O índio não se mutou e foi
caçado pelos capitães hereditários e bandeirantes, tendo sido dizimadas,
assim, centenas de etnias nativas; o negro foi vendido como objeto em
seus países africanos de origem mas não se mutou, disfarçou
inteligentemente suas manifestações, como na área religiosa, convertendo
seus orixás em santos e mantendo seus costumes, mesmo que perseguidos e
punidos; agora, os portugueses deportados da corte, bem como os
imigrantes que aqui chegaram a partir da segunda metade do século XIX,
todos eles, se mutaram. Trouxeram e mantiveram a prática de aceitar
regras e mais regras, leis e mais leis, por mais opressoras que fossem,
para garantirem a sobrevivência, em destaque o imigrante europeu – da
Itália e da Alemanha, em maior número – que aqui no Brasil fizeram a sua
reforma agrária.
Todo esse preâmbulo para, na soma e
miscigenação da nossa raça Brasil atual, nos depararmos com a nossa
tendência ao mutismo (exceção puntual a algumas manifestações políticas
da época da ditadura e lampejos recentes de cidadania nas ruas,
descontando aqui os Black Blocks). A classe rica – via políticos – impõe
suas regras, a classe média as aceita e a classe mais pobre, como não
tem noção de seus direitos, torce para que alguém tome como sua as
imposições sofridas da neoescravidão, onde a mesma só tem tempo para o
trabalho.
Aqui em Araraquara, especificamente na área musical, estamos
vivenciando uma nova apresentação de opressão, no caso, à cultura.
Pessoas que não vivem bem consigo mesmas, em particular no entorno da
Praça das Bandeiras, bem como morando próximas a bares que cultivam a
música popular brasileira de qualidade, voltando suas iras contra seus
proprietários, que a praticam com baixo volume e respeitando a Lei do
Silêncio (até 22 horas), e que tem sido impedidos de seguirem em sua
programação musical devido à vontade dessas pessoas que não sabem o que é
democracia, que não sabem o quanto faz bem à saúde cantar e, a partir
de um encontro musical “correr o risco” de fazer novas amizades.
Ressalte-se que nesses locais nunca ocorreu briga, não há consumo nem
tráfico de drogas (ilícitas) e que a esmagadora maioria dos vizinhos não
se “incomoda” com a boa música. No entanto, através de mandatos de
segurança e interpelações judiciais, conseguem paralizar a prática da
boa cultura, enquanto se escondem enfiados em seus sofás e se alienando
nas programações televisivas.
Pelas últimas notícias que nos chegam, a situação da Praça das
Bandeira começa a ser revertida, há o acolhimento de vereadores no
entendimento de chegar a um consenso para não deixar que a Praça volte a
ser a moradia de traficantes, como ocorria até três anos atrás;
todavia, nesses outros locais (que preferimos omitir os nomes envolvidos
para não expô-los), seus proprietários estão sendo impedidos,
arbitrariamente, tal como se fazia na época das capitanias hereditárias,
a praticar um costume nato do brasileiro, que é cantar coisa boa.
Gostaria de saber se esses mesmos autoritários opressores da atualidade
já entraram com mandato de segurança contra esses carros particulares
que passam tocando porcaria musical em altíssimo volume? E então, isso
pode? Porque não usar a mesma moeda?? Com a palavra, as autoridades,
que, sonhamos um dia, praticarem de fato a democracia. Com a palavra os
opressores, se bem que opressor não gosto de diálogo…