Época dos festejos Natalinos, das
retrospectivas e perspectivas. Época das reflexões, dos balanços e
ajustes, das projeções de um novo tempo. Época em que as pessoas, a
despeito de se lançarem às compras como gafanhotos em hortas sem
espantalhos, de repente – ainda que muitos necessitem de indução – e na
fusão da consciência com a inconsciência, descobrem que podem largar o
celular e olhar para o lado, para o próximo, redescobrindo a
solidariedade e o aperto de mão.
Sem contar o “Jingle Bells” tradicional, a trilha sonora das ceias de
Natal e Reveillon ressoa muito além dos fogos de artifício e presentes,
nos traz também a sinfonia dos ausentes, aqueles que há bastante tempo
ou que, ano passado mesmo, estavam entre nós nessas comemorações.
Tempo, sempre ele. O ontem, o hoje e o amanhã, três possibilidades
apenas, e, a julgar a fotografia social do mundo contemporâneo , uma só
atitude perante esse “senhor das coisas”, que ignora os espaços e nos
convida, insistentemente, a ignorar as primeiras aulas de Física e a
adotar, dia após dia, uma velocidade cada vez maior para o nosso
cotidiano.
Todos devem se lembrar, mesmo que de forma remota, que a velocidade é
a razão (fração/taxa) que dosa o espaço a se deslocar em relação ao
tempo necessário para que esse deslocamento se processe. Tempo é o
denominador, e, assim alocado, nos permite concluir de maneira
espontânea que, mantido constante o espaço no numerador dessa fração, se
ele é grande, a velocidade é pequena e, ao contrário, se ele é pequeno,
a velocidade é grande.
A informação “em tempo real”, a infeliz indução de que temos que
estar sabendo de tudo que no mundo ocorre, na medida em que nos
conectamos à essa paranoia da superficialidade dos noticiários
bombardeados em nossa direção, está deformando a espécie humana. Temos
família, trabalho e sonhos no elenco de nossas relações (sem aqui se
esquecer que há muitos desafortunados sem família, trabalho e sonhos),
as quais, para avançarem, do sonho para a realidade, demandam – olha ele
aí de novo – tempo para que se concretizem.
Assim nasce a mais nova patologia deste ainda iniciante milênio, a
ansiedade. Parece que Nostradamus está na espreita nos avisando que o
mundo vai se acabar, e então, inexoravelmente, tudo se torna urgente. O
orçamento é urgente, o conserto é urgente, se o jantar pudesse ser
servido na hora do almoço ganharíamos tempo, olha que maravilha,
sobraria mais tempo para ficarmos conectados (se bem que já tem muita
gente que almoça e janta com o computador na mesa e o celular na
orelha).
Aprendi lá atrás que urgência só faz sentido em duas situações bem
clássicas, às quais qualquer ser humano está sujeito: problemas de saúde
e acidentes. Confesso que me esforço diariamente pra tentar buscar
alguma outra situação que nos remeta a aplicar e se sujeitar à urgência e
não consigo encontrar uma terceira implicação para isso; aprendi
também, quando professor de matemática, que, ao se disciplinar através
da lógica básica, podemos organizar nosso tempo e, por extensão,
mantermos uma velocidade para a resolução das situações geradas em
nossas relações, velocidade essa compatível para não se prostrar à
ansiedade. Há um complicador nisso, reconheço: a incompetência que pode
aflorar nessas relações, motivadas pela má educação familiar, escolar ou
do sistema, principalmente o da locomoção humana, que estressa, sem
exceção, por exemplo,os moradores das grandes metrópoles.
Além da saúde que desejo pra todos, faço votos que a partir deste
Natal e, já adentrando o novo ano, a urgência saia da vida de todos.
Talvez assim, de repente, cada pessoa volte a ter tempo para olhar para o
lado e perceber que, sem a felicidade alheia, não haverá a sua
felicidade, e que os sonhos não sejam só os de consumo.