Bezerra da Silva, pernambucano que só conhecia a embolada quando
desembarcou no Rio de Janeiro, depois de algum tempo, se ambientando nas
calçadas – onde morou por mais de 5 anos – e morros cariocas – até
quase o final de sua carreira e missão – havia se tornado o mais famoso e
contundente representante das camadas sociais periféricas no mundo do
samba (que a imprensa maldosamente subgenerou de sambandido).
Verbalizava, num disco gravado em 1986, sem meias palavras, na faixa
“Candidato Caô Caô”, pérolas como “Ele subiu o morro sem gravata/dizendo
que gostava da raça/foi lá na tendinha bebeu cachaça/até bagulho
fumou/jantou no meu barracão e lá usou/lata de goiabada como prato/eu
logo percebi é mais um candidato/para a próxima eleição…”.
Antonio Moreira da Silva Paranhos, o rei Kid Moringueira do samba de
breque, antes de assumir esse reinado, ralava como motorista do
secretário adjunto da Prefeitura do Distrito Federal do Rio de Janeiro,
Cícero Marques, o qual tinha trânsito livre nos corredores presidenciais
na era de Washington Luiz, tendo participado, inclusive, da última cena
do mesmo, encurralado no Palácio Guanabara, confinado que lá ficou
junto ao staff governamental, torcendo para as coisas se acalmarem. Como
isso não aconteceu, o presidente e todo o seu secretariado foi deposto e
ele, Moreira da Silva, perdeu seu cargo. Graças a uma perda de um jogo
político, o país iria ganhar, 6 anos mais tarde, em 1936, o artista
Moreira da Silva, o qual, entre muitos e tantos sucessos, cravou “Sou
Candidato” em cujos versos já se ouvia frases típicas eternizadas na
política tupiniquim como “Vou fazer todo mundo funcionário público/nem
que os cofres da Fazenda venham se estourar/Nessa altura eu estou
eleito/vou empregar toda a família/até um filho de oito anos…”
Essa verve de cronista que o samba sempre teve nasceu, como todos
sabemos, com o mestre Noel Rosa, que em “Onde está a honestidade”, 1931,
já cantava a bola da malandragem política : “Você tem palacete
reluzente/tem jóias e criados à vontade/sem ter nenhuma herança nem
parente/só anda de automóvel na cidade/e o povo já pergunta com
maldade/onde está a honestidade/onde está a honestidade…”.
Pois é, a eleição presidencial é domingo, cem anos depois do Noel ter
nascido. Qual será o samba que contará essa história? A julgar as
farpas das campanhas e o correspondente baixo nível de sempre, as
promessas e os papagaios de palanque de sempre, os escândalos de reta
final de sempre, me vem à lembrança um samba síntese, de Almir Guineto,
intitulado “Meu sangue é Brasil”, que, sem firulas, emplaca “É preciso
achar/doutor pra curar/doença valente/a corrupção/lesa a nação/em todas
as frentes…”.
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com dia 28/10/2010