Samba, cultura erudita ou popular?

| 28 abril 2011
A pergunta, de resposta aparentemente óbvia, acaba fazendo muito sentido e fica até muito difícil de ser respondida se olharmos para a obra da célebre e querida nonagenária aniversariante de Abril, Dona Yvonne Lara, a grande dama do samba.
Nascida dentro de ambiente musical familiar – sua mãe Emerentina era “crooner” do famoso rancho Ameno Resedá, seu pai João Lara era violonista de 7 cordas – ela, aos oito anos, já se via órfã de ambos, indo estudar em colégio interno, no qual conheceu e teve aulas de canto orfeônico com D. Lucília Villa Lobos, esposa do inesquecível maestro Heitor Villa Lobos.
Em tão pouco tempo de vida, tanta riqueza de referências musicais, que se completavam nas férias quando caía pro subúrbio de Madureira, ao passar temporada na casa do primo, o hoje saudoso famoso mestre Fuleiro. Ele, além de lhe ensinar a tocar cavaquinho, a incentivava a compor, tanto que aos doze anos debutava na composição, apresentando “Tiê”, clássico de qualquer roda de samba.
Essa fusão de cadastros musicados em suas veias produziu uma compositora única, detentora de linhas melódicas singulares, identificável nos primeiros versos de qualquer uma de suas centenas de músicas já feitas e muitas ainda a serem eternizadas por gravações futuras, pois D. Yvonne, apesar de hoje cantar sentada e demonstrar o cansaço de tantas primaveras completadas, continua compondo e cantando, como bem reflete o título de uma de suas mais belas canções “Nasci pra sonhar e cantar”, título este que aliás rendeu uma pequena biografia escrita pela jornalista capixaba Mila Burns.
Pois então, a pergunta volta, como replicaria Gonzaguinha…O samba, visto pela carreira de D. Ivonne Lara, é cultura erudita ou popular? Ao vê-la cantar num ensaio  do tal coral orfeônico, Villa Lobos, com seu ouvido perfeito, dentre mais de cinqüenta vozes entoadas, identificou de imediato a de Yvonne, boquiaberto que ficara com o lirismo, a emoção e simultânea força com que se expressava. Foi o elogio final para que ela se lançasse  ao mundo da música… Erudita?. ..Vejamos…Após sair do internato e ir morar em Madureira com os tios, o registro do ambiente suburbano acabou prevalecendo. O samba acabara de ganhar o lirismo que a música erudita tanto preconizava.
Erudito ou popular??? Os dois, pela lição de vida de D. Yvonne…Ela faz aniversário, nós é que ganhamos o presente…Acaba de sair o CD “Bodas de Coral” – trinta e cinco anos de parceria dela com Délcio Carvalho…Ouçam…E vejam se conseguem responder a pergunta!!!

publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 28/04/2011