SAMBA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA

E lá se vão 100 anos sem o mestre Noel Rosa, aquele que fugiu da escola – de Medicina – e caiu na escola – da vida boemia, fazendo valer o tal ditado. Ele descendia de típica família de classe média, cujos pais vislumbravam a escola como o grande vetor para a ascensão social e, por extensão, econômica. Até hoje, no seio da sociedade, ainda há esse olhar, menos romântico é verdade, muito mais pragmático, como nos parecendo obrigar a aceitar o “pensamento único” sobre o sucesso, tão bem ironizado por Luis Fernando Veríssimo.
De fato, de 1930 – quando Noel estava na Universidade – pros dias atuais, a escola brasileira foi se modificando, valendo destacar duas épocas fundamentais: a de Gustavo Capanema (era Getúlio Vargas, década de 1940), o qual quando Ministro desvinculou o ensino público da igreja, e a de Meira Matos, coronel que, junto a uma comissão oriunda do Departamento de Estado Norteamericano (famoso convênio MEC-USAID, 1971, lei 5692), reformulou o ensino no Brasil, impondo, desde então, o modelo educacional de Tio Sam, no qual o diploma é mais importante que a própria qualidade da escolarização.
Como tudo na vida, há um tempo para que a causa vire efeito. Na questão escolar, haveríamos de contabilizar uma nova geração – cujo senso comum/crítico nos dá a medida de 20 anos (hoje talvez um pouco menos, pois a maioria das crianças está nascendo de relações de pessoas com menos de 18 anos) – para começarmos a perceber o efeito da desqualificação do ensino escolar brasileiro, desqualificação essa que ganhou forte aceleração no final dos anos 1970 com o aumento substancial de vagas na rede pública de ensino sem nenhum grande investimento em qualidade profissional docente nem de instalações (nessa época há a proliferação de escolas privadas).
Assim, se somarmos 20 anos, contados a partir de 1971, chegaremos à geração do pagode-de-butique dos anos 1990. E ao lembrarmos Noel, realmente perceberemos que seu ditado continua mais atual do que nunca. Sem dúvida, mestre, o samba não pode ser aprendido na escola. No máximo, o pagode-de-butique, que exige um vocabulário de pouco mais de 200 palavras.

publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com dia 16/09/2010