Samba versus escolas de samba


Depois de amanhã, estaremos vivenciando o sábado de Carnaval de 2011. Nos salões de minha infância, adolescência e início da fase adulta, confetes, serpentinas e alegorias temáticas davam o tom da festa do Momo. Festa essa que se locupletava com as tradicionais marchinhas/marchas-rancho/frevos/sambas de carnaval.
O tempo passou, esse quadro foi mudado, o ambiente dos salões é outro. DJs dão o recado, no palco as bandas dão lugar a atrações que nada tem a ver com a tradição carnavalesca, o folião que brincava ao som da banda agora fica parado defronte ao palco para ver o show de pseudos ícones forjados pela cultura de massa.
Nas ruas, mais especificamente nos “sambódromos” – notadamente os do Rio de Janeiro e São Paulo, e, por inércia do sistema social globalizado, esse modelo se espalhando Brasil afora – os desfiles não partem dos bons sambas de enredo para “levantar a avenida”, nem dos enigmáticos passistas, nem dos bailados comoventes de mestre-salas e porta-bandeiras.
O grande momento dos desfiles está reservado para as grandes “surpresas” estéticas criadas pelos carnavalescos, além, claro, da estética das celebridades -globais – que já tomaram há muito tempo o trono das rainhas e madrinhas de bateria que se criavam nas respectivas comunidades periféricas.
Curioso esse termo “sambódromo”… Se formos consultar os dicionários etimológicos, encontraremos como tradução primária do sufixo “dromo” o sinônimo de corrida. Pois então, por aglutinação das palavras samba + dromo, chegaremos a “corrida de samba”.
Pode até ser que os sedentos e incultos senhores donos do poder da mídia não se depararam com o detalhe do termo criado, mas acertaram na mosca. Pois os sambas de enredo, desde a invenção da Sapucaí carioca, se aceleraram, aceleraram, notadamente para poder dar conta do contingente – de turistas que pagam caro por uma fantasia – cada vez maior, inchando e tornando cada vez mais lenta a passagem das escolas dentro do tempo previsto.
Matemática elementar: existe uma passarela com sua extensão fixa e constante (distância, em Física), cuja extensão precisa ser percorrida num tempo também fixo. Se a quantidade de pessoas presente no desfile aumenta, o espaço que cada um tem para desfilar diminui. Portanto, a velocidade de cada um precisa aumentar para dar tempo de a escola desfilar sem perder pontos.
E assim, os desfiles das escolas de samba, que tinham como característica a cadência do samba enredo nos tempos pioneiros, hoje se apresentam com “marchas de enredo”, nas quais prevalecem o refrão fácil e banalizado, melodia pobre e de fácil assimilação, e uma correria desenfreada, com destaque para as alegorias, adereços e fantasias.
E assim, o samba fica do lado de fora da passarela, junto com a maioria das pessoas da comunidade que não têm dinheiro para comprar as fantasias vestidas pelos turistas. Época do contraponto samba versus escolas de samba.

publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 03/03/2011