Manifestação popular é um ato que caracteriza os regimes
democráticos, apesar de não vivermos em sua plenitude um deles, pois
democracia, como sabemos, parte da condição de direitos e deveres iguais
para todos, condição essa muito longe de ser alcançada por aqui, basta
olharmos para os crimes e processos judiciários, aí perceberemos que
pobres e ricos, anônimos e figuras públicas não são tratados da mesma
forma.
Em Araraquara, tradicionalmente pacata, ocorre vez por outra algum
manifesto popular, para pleitear aumentos salariais, melhorias nas
condições de trabalho e saúde, na pavimentação das ruas e em outros
equipamentos municipais. Contrastando com esse panorama, e mais que
isso, contrastando com a política em vigor na época em que surgiu –
ditadura militar dos anos 70 – o grupo musical Manifesto Popular sobe ao
palco do Teatro Municipal para prestar homenagem à cultural nacional
desde então.
Neste começo de Setembro, tivemos a felicidade de participar do show –
tributo a um de seus fundadores, o saudoso amigo violonista Tchê,
freqüentador assíduo do Ponto Chic, craque do futebol, bamba dos
laboratórios químicos, onde por muito tempo batalhou para encontrar a
fórmula da felicidade, homenageado que foi em “Réquiem num bebadosamba”,
título do espetáculo sacado pelo diletante e emblemático Salomão Alves.
O cenário era simples, como simples era o Tchê. Uma foto na qual
empunha o violão, sorriso se iniciando ao se iniciar os acordes de Refém
da Solidão, um de seus sambas preferidos. “Quem, da solidão fez seu
bem, vai terminar seu refém, e a vida para também…”, emplaca e impacta a
canção em seus versos de abertura, da lavra de Baden Powell e Paulo
Cesar Pinheiro, obra prima que, ao combater a solidão, agrega milhares
de ouvidos atentos e assim, por si, desconstrói a dita cuja, convocando a
convivência, tão bem teatralizada no evento, onde muitos de seus muitos
amigos e familiares personificaram o recado proposto.
Emocionante do começo ao fim, a música
popular brasileira muito bem representada por bossas, xotes e sambas,
presenciou-se mais um manifesto a favor da cultura nacional, que cumpriu
dignamente o seu papel, em pleno tempo da cultura descartável e
medíocre proposta e capitaneada pelos donos da comunicação de massa,
saudando um herdeiro de Guevara, que em seus momentos derradeiros já
avisava, direto da Bolívia, que a ditadura militar iria ser substituída
pela ditadura cultural. Acorda, democracia, descanse em paz, Tchê, a
turma toda continua junta e ligada, ninguém ficará refém de solidão
nenhuma enquanto houver manifestos populares…
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 09/09/2011