Mestre Candeia usava um boné estiloso, o qual chamava mais a
atenção que a própria cadeira de rodas que chegara a usar em suas
últimas aparições… Milton Nascimento, hoje setentão, imortalizou o boné
cuja aba pendia levemente para o lado…João Donato, desde sua infância
acreana trajava boné, atualmente cumprindo função estratégica devido ao
avançado de sua calvície…Elencaríamos um sem número de bambas da música
popular brasileira que se identificaram através da individualização de
sua criação, esteticamente identificada pelo uso de um boné
individualizado e marcante.
Devido ao clima quente e ao sol forte que prevalece na
maioria das regiões brasileiras, o boné tem aceitação plena até para o
operariado da construção civil, que o prefere em detrimento ao capacete
protetor, já que este último aumenta a sensação de calor a quem o
utiliza, independente da sua função primordial, que não seria cumprida
pelo boné. Quando tive empresa no ramo da engenharia geotécnica,
lembro-me que, só após muito custo e devido ao susto de um gancho ter
passado milímetros de distância da testa de um funcionário, consegui
convencê-los a usar o capacete, se bem que o mesmo ficaria acima do
boné, que funcionaria como forração do capacete.
E o tempo vai passando e o boné tendo seu uso
multiplicado. A garotada, via de regra, logo nos primeiros anos
adolescentes optam, nos tempos atuais, por usá-lo como complemento
obrigatório, mesmo em período noturno, seja na festa de aniversário da
avó ou numa balada mais alongada. A diferença a se perceber é que, antes
de ser uma opção – ao chapéu, à cartola, ao cabelo comprido estilo
Beatles ou ao estilo Blackpower Toni Tornado – o boné dita o perfil não
mais individualizado e sim a identificação com uma “tribo” produzida
pelos estímulos da globalização induzida pelos sistemas de comunicação.
O boné, sem sombra de dúvidas, para a rapaziada,
transformou o quinteto tradicional de sua vestimenta básica –
calça/camisa/cueca/meia/sapato(tênis/chinelo) – em sexteto; a paisagem
urbana masculina apresenta muito menos cabelos e carecas expostos ao
sol, existem várias “tribos” nas urbes que, a despeito de suas
identidades completamente distintas, optam por um boné complementar, com
ou sem dizeres relativos à causa, com ou sem logomarcas que as
identifique e diferencie.
Entre essas várias tribos bonéfilas, destaco uma que,
certamente, já foi identificada por muitos que passaram pela mesma
experiência que sempre passo, a qual é sistematicamente repetida a cada
vez que o carro é parado pelo vermelho dos semáforos…O carro ao lado –
ou atrás ou à frente ou ao lado do carro ao lado – parece estar bufando
mesmo sem o acelerador estar acionado, devido ao alto volume que retumba
de suas potentes caixas acústicas e quase ensurdece o seu condutor e,
por extensão, o condutor do carro ao lado ou à frente ou de trás.
Obviamente seu condutor nem se dá conta do altíssimo volume pois já
se ensurdeceu, ou, quando muito, ele se vira com um sorriso irônico e
vitorioso como se estivesse proporcionando uma grande sessão de
entretenimento musical aos condutores adjacentes, pensando que esteja
dividindo a sua alegria com o próximo, num ato que beira à caridade
cristã ou qualquer que seja a religião ou crença envolvida.
Mas, e aí, o que isto tem a ver com o boné?…Na minha estatística, em
cem por cento das vezes que esta cena ocorreu nos semáforos da vida, o
condutor do frenético e escandaloso veículo musical usava boné… E,
obviamente, não se tratava de música de boneleiros famosos, como
Candeia, Milton Nascimento, João Donato, pois música de qualidade
melódica, harmônica, rítmica, é pra ser ouvida em baixos volumes…Façam
suas apostas, criem suas estatísticas… Quais gêneros musicais necessitam
ser ouvidos a volumes estratosféricos?