Sérgio Porto, jornalista de profissão e
brasileiro por convicção, teve passagem meteórica e marcante pelo nosso
andar, vivendo pouco mais de quarenta anos. Em sua personalidade moldada
pelo ecletismo daqueles que são simples e que não precisam dizer que
são bons – ao contrário do que hoje se vê, pessoas que, em função de
estarem curtidas na mais pura ansiedade (a mais frequente doença
produzida e cultivada neste novo milênio), se autoafirmam e se
autoproclamam boas e criativas, principalmente no meio artístico –
incorporou-se o personagem Stanislaw Ponte Preta, seu pseudônimo para
as artes, contribuindo de maneira direta para as mesmas com a publicação
de suas duas edições dos Febeapás – Festivais de Besteiras que Assolam o
País – isso nos idos de 1960, navegando nas águas ditatoriais dessa
época com irreverência, inteligência e, claro, bom humor.
Fã assumido do legado musical oriundo da mãe África –
adorava o “o jazz criado pelos negros de New Orleans e o bom samba dos
morros e esquinas brasileiras”, como ele mesmo dizia – incursionou, ao
que se pesquisa nos respectivos anais musicais, uma só vez como
compositor, com a pérola “O samba do crioulo doido”, gravado, também,
pelos lendários Demônios da Garoa.
Nos versos desse samba, percebe-se a mistura proposital
de personagens da história : “Foi em Diamantina/onde nasceu JK/que a
princesa Leopoldina/arresolveu-se se casá/mas Chica da Silva/tinha
outros pretendentes/e obrigou a princesa/a se casar com Tiradentes…”. E
por aí vai a letra, ignorando a cronologia dos fatos e provocando o
ouvinte atento a sacar, entre outros prismas, que a Inconfidência
Mineira e as proclamações da Independência e República, mais que tudo,
não tiveram e não partiram de revoltas e anseios populares.
Quando prossegue em sua letra, ratificando essa tese,
focaliza o príncipe e a princesa, D. Pedro e Leopoldina, ao final,
imortalizados como monumentos – de nenhuma saudosa memória, como aqui é
de praxe : “Dona Leopoldina virou trem/e D. Pedro é uma estação
também/ôôôôô/o trem está atrasado ou já passou”, fatos que até hoje se
repetem, principalmente nas grandes metrópoles, onde nem a revolta
popular faz com que se mude o panorama capenga da prestação desses
serviços.
A lembrança deste samba, para mim, nesta véspera do
Carnaval, me parece mais do que pertinente, a julgar os enredos e
correspondentes sambas-de-enredo que de algum tempo – 1984 pra cá, com o
advento do Sambódromo carioca e suas cópias pelo Brasil afora –
norteiam as tradicionais e novas escolas de samba. Salvo raríssimas
exceções, a grande maioria poderia ser classificada como
sambas-de-enredo-dos-crioulos doidos, ou melhor, sambas-de-enredo pros
turistas de consumo, já que a imensa e crescente legião de passistas das
escolas desconhecem absolutamente tudo a respeito da escola em que
desfilam, e, obviamente, por desconhecerem a história envolvida nos
enredos (por despreparo escolar, para os turistas brasileiros, e por
ignorância da língua, para os turistas estrangeiros), raramente
conseguirão cantar e ecoar a letra nos desfiles, a não ser na hora dos
refrões, cada vez mais óbvios e cheios de lugares e palavras de ordem,
como magia, fantasia, alegria e alegoria, rimas paupérrimas e melodias
de dar alergias, com o perdão desta rima…
Stanislaw Ponte Preta, que entre outros atos de destaque
foi o cara que redescobriu Cartola trabalhando num lava-jato no início
de 1.962 e, por sua influência e insistência com o mestre da Mangueira,
conseguiu fazê-lo voltar à vida artística e gravar seu primeiro disco
aos 66 anos de idade, tenho a certeza de que, se hoje estivesse entre
nós e fosse convocado a compor um samba-de-enredo do crioulo doido (ou
do turista-de-consumo, tanto faz), não teria a menor dificuldade em
misturar, novamente fora da cronologia, personagens de nossa história
política, mesmo porque as práticas políticas atuais são as mesmas da
época das capitanias hereditárias, ou seja, o tempo não faz a menor
diferença: “Seu Tomé de Souza/de parceria com Renan Calheiros/chamou
Marques de Pombal/e seus novos companheiros/pra sambar no Carnaval/no
bloco das celebridades/ tem D.João VI,a Mãe Joana e autoridades…”. Só
não arriscaria o refrão, mas cá pra nós, isso qualquer um que esteja
aqui lendo estas linhas poderia fazer, nem precisaria ser compositor…