Uma toada, próxima das raízes de uma guarânia paraguaia das vizinhanças de Corumbá, composição do matogrossense Almir Sater, tudo a ver com seu universo musical, intitulada “Tocando em frente”, se abre com essa pérola título em forma de verso, envolto em linda melodia ponteada pela viola e pelo violão de 12 cordas.
Imortal página de nossa MPB desde nascença, hoje, observando nosso entorno social, esta bela música se faz muito atual e, numa análise bastante simplificada, se faz muito necessária ouvi-la, prestar atenção em sua letra poética e certeira.
No mundo da hiperconectividade, a pressa – que gera e multiplica a ansiedade – é, de longe,
a sua característica dominante. Tudo parece que “é pra ontem”, as pessoas
perdendo a paciência facilmente, seja no trabalho, no trânsito e, obviamente,
no celular – ou Ipod, ou Ipad, ou Tablet, ou Notebook – o qual se postula como
o mais recente membro do corpo humano (futuras aulas de anatomia deverão conter
o dedo indicador acoplado a um celular, mergulhados em formol), principalmente
para as gerações mais jovens, que, ao que parece, já nasceram conectados.
“Penso que cumprir a vida seja simplesmente/compreender a
marcha e ir tocando em frente/como um velho boiadeiro levando a boiada eu vou
tocando os dias pela longa estrada”, ressoa a canção em meus ouvidos. Todos
temos um tempo por aqui, isso é inexorável, não adianta querermos antecipar a
segunda-feira, pois temos todo o domingo pela frente ( o pior é saber que não
adiante tentar antecipar o final de semana pois a sexta-feira também tem 24
horas)…
Observo a grande metrópole paulistana, tenho passado parte de
minhas semanas por lá a trabalho. Sempre em alta velocidade, seja dos carros,
seja das pessoas, não só nos carros mas também nas calçadas ou nas escadas
rolantes do metrô, onde são capazes de provocarem atropelos em quem insiste em
subi-las ou descê-las contando apenas com a velocidade mecânica das mesmas.
De repente me lembro, ao subir no ônibus lotado, do notável
Ariano Suassuna, que, ao completar seus 80 anos, talhou a seguinte frase: “o
ser humano é esquisito mesmo, cria novas tecnologias que, ao invés de lhe
servirem, o tornam refém”, ao analisar o mais novo vício do brasileiro (e do
cidadão do mundo globalizado), o telefone celular, cujo número deveria ser
reconhecido como RG pela moçada, tão apegada a este objeto. Ninguém mais
conversa nos ônibus. Todos estão com fones de ouvido ou mandando mensagens pelo
celular, não olham para o lado, chega a ser um enorme esforço se pedir licença
para se sentar, pois as pessoas não estão enxergando a sua aproximação.
O ser humano está perdendo de goleada para o objeto. O
celular é muito mais importante que o chato que veio se sentar ao lado, por que
os ônibus não colocam bancos individuais ? ( assim esse incômodo de se pedir
licença acabaria, olha que progresso). O humanismo – tão necessário e
imprescindível para transformar a sociedade em palco de relações mais
harmônicas entre seus cidadãos e os territórios por eles frequentados – está em
franca decadência, isto salta aos olhos quando nos deparamos com notícias
tristes como latrocínios por causa dos celulares, inclusive…
“Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si
carrega o dom de ser capaz, de ser feliz”, finaliza o trovador do cerrado…Que
história, pergunto eu, uma pessoa conectada 24 horas por dia poderá contar? E
pra quem vai contar, se a seu lado a outra também está conectada? Alguns irão
dizer: conta-se sua história nas redes sociais, é claro, dentro do ambiente
virtual…Tá legal, entendi…Então a sua história não será real, será apenas
uma história virtual!!!