Em meu distante ginasial – década de 1.970 – nos esforçávamos para
aprender um pouco da pouca história verdadeira do Brasil que os
professores nos ensinavam. Contavam a versão do vencedor, no caso, do
colonizador português, com os jesuítas a reboque, “catequisando” os
indígenas nativos e explorando os negros escravos.
Para poder ter um maior controle das terras invadidas sob o domínio da
coroa , a nobre corte lusitana nomeara, nos idos de 1530, governadores
gerais, os quais iriam, regionalmente, mandar prender e soltar, explorar
e ditar as regras da casa, formando, na sequência cronológica dos
fatos, as famosas capitanias hereditárias.
Dizem os historiadores que a famosa expressão “você é filho de quem?”
foi talhada nesse período da saga tupiniquim. Essa expressão, me lembro
bem, era ouvida e proferida com muita freqüência, principalmente nas
cidades interioranas, durante a minha infância e adolescência, portanto,
quatro séculos após. Significava que o inquiridor só daria atenção ao
inquirido caso ele tivesse um sobrenome familiar, sendo que, havendo a
negativa, o infeliz não seria nem teria um bom e digno tratamento.
Os tempos passam, as relações humanas se comercializam mais e mais
devido à ditadura capitalista e, na atualidade, apesar do avanço da
ciência e da tecnologia – que incentiva os cidadãos a estudar e se
especializar – parodoxalmente, o que assistimos é uma cena que lembra de
perto Tomé de Souza e Duarte Coelho, capitães hereditários das então
recém-descobertas Terras de Santa Cruz.
Seja nas relações trabalhistas – onde assistimos o inchaço dos poderes
públicos através de milhares de cargos comissionados sem concurso – seja
nos tratamentos médicos – onde aqueles que tem sobrenomes famosos
passam na frente daqueles que não tem – seja no alavancar das carreiras
artísticas, onde a árvore genealógica fala ainda muito forte, gerando
seus galhos (e quebra-galhos, principalmente) como novos artistas.
Nunca ficou tão evidente se perceber isso, devido à revolução das
comunicações, com as notícias em tempo real divulgadas na rede mundial, a
internet. Basta se ter o discernimento, a paciência e a perseverança
para se aprender a juntar os fatos e notícias. O corporativismo que
vemos existir, por exemplo, no recente caso levantado pelo CNJ –Conselho
Nacional de Justiça – também é reproduzido nas hostes culturais. Salvo
exceções, o famoso Q.I. – não o Quociente de Inteligência, mas o Quem
Indicou – está mais presente do que nunca, virou regra na maioria das
relações de nossa sociedade; salvo exceções, em nenhum momento de nossa
história se percebeu, tão evidenciado, que o mérito está perdendo de
goleada do marketing (entenda-se aqui assessor de imprensa ou cargo
correlato).
Na nossa querida MPB – música popular brasileira – a pequeníssima fatia
do mercado que restou, pela ação predatória da MPPB – música pra pular
brasileira – é disputada por aqueles que ainda acreditam que a arte não
deve ser algo “negociado”. Ocorre exatamente nessa legião minoritária o
apadrinhamento, a influência. Muitas carreiras se estabelecem pelo
sobrenome, principalmente de “quem indicou”. É só prestar atenção…
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 10/02/2012