Do Monte Pascoal ao Belo Monte


Monte Pascoal – hoje pertencente ao município baiano de Itamaraju – foi-nos apresentado e ensinado como sendo a primeira porção de terra avistada de nosso país (“Terra a vista”!) pelo descobridor (?) Pedro Álvares Cabral em 22 de Abril de 1.500. Os professores de nosso ensino fundamental se esforçavam e caprichavam nos argumentos dos muitos “presentes” trazidos em sua nau capitânia e que foram distribuídos “festivamente” aos índios e índias que se banhavam nas praias onde hoje se localiza Porto Seguro, atracadouro pioneiro da comitiva lusitana.
Espelhos, miçangas e muitas outras bugigangas foram ofertadas pelos nobres expedicionários da coroa portuguesa aos efetivos donos do pedaço, caciques das mais de 750 etnias reinantes de então, espalhados pelo litoral(os habitantes da costa) e interior(os habitantes da selva), e que, na miscigenação cabocla/mameluca geraram, respectivamente, os hoje tão comuns e por nós identificados sobrenomes “costa” e “silva” (na história recente tivemos até um costa e silva – litoral e interior simultaneamente dominados – ditador  de triste memória, melhor esquecer).     
Essas lições tão bem aprendidas e nem tão bem explicadas agora me vêm à tona, num episódio em que os “costa” e os “silva” tornam a aparecer. Você, leitor ou leitora, é “costa” ou “silva”?…Muitos dirão, obviamente, que não são nem um nem outro – meu sobrenome é souza, ou santos, ou seixas, deixa disso – e, portanto, nada tem a ver com isso. Isso o quê, aliás?          
O nome é belo. Usina de Belo Monte, situada na região paraense próxima à cidade de Altamira, que já está na mira de muitos forasteiros em busca de emprego e que jamais será a mesma. Hidrelétrica que gerará muitos megawatts de potência para o sistema energético nacional, sinônimo de progresso regional, tudo maravilhoso, correto?
Estaria correto se não provocasse uma futura cruel e triste pajelança (ritual indígena que procura resolver os problemas da respectiva comunidade). Isso se dará devido à aculturação que já está sendo imposta a várias tribos que vivem dos rios contributos da bacia onde se construirá a hidrelétrica; aculturação porque, entre outras barbaridades, os nativos precisarão tirar seu sustento de tanques de piscicultura, que viriam a substituir os rios que irão secar devido à barragem correlata, conforme mostrou reportagem televisiva semana passada. Perdem a identidade ancestral, obrigados que são em mudar sua logística de viver, tendo que se mecanizar, se submeter a novo doutrinamento, cujo pastor não mais se chama José de Anchieta e sim Desenvolvimento Costa e Silva (desenvolvimento: aglutinação do prefixo des – que significa algo parecido com negação – com a palavra envolvimento, logo, não se envolver é o lance).
 Bem que o Martinho da Vila já havia nos alertado do potencial genocida que os nossos governantes mantém como herança Cabrálica, pois em 1.974 entoava a plenos pulmões o samba “Tribo dos Carajás”, inesquecível pelo ritmo, melodia e, principalmente, pela sua letra eloquaz: “Tribo dos Carajás/noite de lua cheia aruana/menina moça é quem manda na aldeia/a tribo canta e o grande chefe pensa em sua gente/que era dona deste imenso continente/onde sonhou sempre viver da natureza/respeitando o céu/respirando o ar/pescando nos rios/e com medo do mar/estranhamente o homem branco chegou/pra construir/pra progredir/pra desbravar/e o índio cantou/o seu canto de guerra/não se escravizou/mas está sumindo da face da terra…”.
Da contagem inicial de aproximadamente 750 etnias, restam em nosso território brasileiro pouco mais de 170, algumas delas com menos de cem descendentes, portanto, em rota de iminente extinção. De Monte Pascoal a Belo Monte, cinco séculos de omissão nos separam, com a coincidência de que os mesmos truques foram usados, já que os indígenas belomonteses estão recebendo mimos pela nova “descoberta”. Em lugar dos espelhos, gasolina para abastecer suas pirogas, históricas canoas escavadas no tronco das árvores caídas na floresta. Peraí…As pirogas não são movidas a remo?