Extra, extra!!! Caiu um meteorito nos arredores de Cruzeiro
do Sul, segunda maior cidade do Acre. Jogada de “bocha” intergaláctica (bocha: jogo
em que os participantes buscam o alvo, o “balim”, através de lançamento de
pesadas bolas que correm em quadras de saibro ou similar), um corpo estelar
procurando uma constelação em nosso planeta, localizada – pra nosso azar, no
Brasil – através de GPS multimarcas, que, como qualquer GPS, sempre denota
alguma imprecisão.
E essa imprecisão de jogada fez com que o meteorito atingisse outro
“balim” antes de chegar na cidade. E esse balim era o satélite central que
coordena as comunicações na Terra. Alvoroço sem precedentes no primeiro
mundo…”Caiu o sistema”, lamentavam, boquiabertos, os especuladores e
controladores das bolsas de valores asiáticas, que deram a grita primeiro,
afinal, em Cruzeiro do Sul era meia-noite, apenas os notívagos da floresta
amazônica reclamaram, pois, após o curare tradicional, os caciques foram impedidos
de entrar no Facebook pra flertar com as iracemas das tribos vizinhas, postando,
como de costume, fotos em tangas minúsculas. E agora???
E na medida em que a maioria
dormente de nossa população acordava para o batente – muitos, aliás,
despertaram deveras atrasados, pois o celular programado para dar o toque de
alvorada falhou, desconectado que estava do satélite atingido pelo desorientado
meteorito – a convulsão social se estabelecia, em Toquio, Londres e, também, em
Cruzeiro do Sul, foco da confusão…
O prefeito e seus nobres
vereadores arquitetaram uma reunião de urgência, que demorou bastante para ser
efetivada, uma vez que seus celulares estavam mudos e, ato contínuo do
cotidiano, ao acordarem atrasados – mesmo com o celular preso ao punho numa
pulseira da moda – insistiam, através do telefone fixo, com reclamações às
operadoras pelos péssimos serviços prestados (aqui, nenhuma novidade),
esbravejando com palavras de baixo calão, saindo nas sacadas de suas mansões e
berrando para que o eleitorado pudesse ver que eles estavam se mobilizando para
atenuar a catástrofe.
Incomunicáveis através do intermediário celular, só
após passar a crise de raiva, perceberam que todos eram praticamente vizinhos
físicos, e que o prédio da Prefeitura continuava ao lado da Igreja Matriz, na
rua central, distando no máximo três quarteirões das suas residências. No
itinerário até vosso endereço de trabalho, paravam para conversar com os
nativos, também indignados, alguns deles pedindo ações contundentes, chegando
até a sugerirem como pauta direcional a convocação da Força Nacional para
protegerem o terreno atingido pelo meteorito – alguns hectares abandonados de
propriedade de grandes latifundiários de Wall Street – além de entrarem com
ação civil pública contra São Pedro, Jesus Cristo e o Deus de nosso universo,
já que, pelas primeiras informações que chegavam em códigos de fumaça, o
conserto do satélite iria demorar pelo menos uma semana.
“O que vai ser da minha vida sem o celular?”, bradava
o pequeno Gueibriol, neto do migrante cacique marajoara, de três aninhos, indo
a pé pra creche da cidade, o qual, desolado, arremessou seu Aifone na direção
de um igarapé…Soando como um misto de mantra com palavra de ordem, sua mãe, o
tio, o concunhado, o coleguinha de classe, o padeiro do quarteirão, o
frentista, o corretor de barcos, a caixa do supermercado, o peixeiro e até o
pároco da comunidade e as periguetes da área engrossaram o coro, virando, de
repente, uma passeata com os tradicionais oportunistas partideiros levantando suas
siglas embandeiradas como pioneiros no movimento, já mirando a eleição
seguinte…”Abaixo São Pedro”, “Jesus não é mais o mesmo” e “eu bem que sabia
que esse tal de Deus não era tão bom assim” foram as frases recorrentes mais
ouvidas, ininterruptas, não só em Cruzeiro do Sul, mas também nas Ilhas
Galápagos, na Polinésia Francesa e nas penitenciárias de segurança máxima de
todo o globo terrestre…
“Terra em transe”, lembrei-me imediatamente de Glauber
Rocha, será que era este o recado que o visionário baiano queria nos dar bem
antes do acontecido? Ou seria o recado subliminar de Stanley Kubrick, em
“2.001, Uma Odisséia no Espaço”, sobre o destino da humanidade?…O fundo
musical da passeata era a intermitente “Also Spreach Zarathustra”, fielmente
executada pela Orquestra Filarmônica de Viena…Viena??? Mas não estávamos em
Cruzeiro do Sul? E lá não tem orquestra…Abri os olhos, onde estava?…Ainda
bem, foi um sonho, acordei assustado, corri para o criado mudo, dei um beijo em
meu tablet…A vida iria seguir, naturalmente…