Feriado de Corpus Christi é sinônimo de
cantoria. Nas procissões, louvores religiosos para católicos atuantes e
praticantes; para os respeitosos que nessa subcategoria não se enquadram
os cânticos são outros, não necessariamente profanos, potencialmente
populares, e, também, agregadores, em seus respectivos ambientes.
Neste começo de mês dos Santos
Festivos – Antônio, João e Pedro – as cantatas vão muito além das
paróquias e quermesses, as quais, aliás, tem vasta programação na área,
para todos os gostos, desde os ritmos tradicionais até os massificados e
impostos pela mídia que ocupam, inclusive, via de regra, as
programações de clubes e pontos das baladas adolescentes.
As cantorias às quais me refiro aqui não são as
emanadas dos locais e festas acima citados. Faço menção à situação em
que grupos de amigos que se reúnem pelo prazer de se encontrarem ao
sabor de um catalisador musical e, acompanhados de bebes e comes,
celebram a vida, sobrepujando os percalços individuais e familiares
vividos e projetando harmonias futuras, que nascem, invariavelmente, de
melodias e letras que provocam reflexão, êxtase e, mais que tudo,
esperança e alegria para encarar os dias que virão.
No feriadão prolongado recém-comemorado fomos parar
em Maranduba, litoral norte, sob os caprichos de céus nublados,
chuvosos, ensolarados e enluarados, tradicionais da entressafra outonal,
nem frio nem calor, céus que encobriam estradas lotadas nos horários de
picos turísticos. O destino, convite do casal Celidônio e Geni, pais da
Gabi e do Vinícius, mestres na arte de protagonizar diariamente dor e
amor, ou talvez seria amor com dor ou dor de amor, doação total,
exemplar, “um dia de cada vez”, como ele mesmo me ensinou, frase sábia
de quem tem o leme da vida sem se desequilibrar, por mais desequilibrado
que seja o momento.
Um bando alojado em casa na boca da praia,
estrategicamente perto do Bar do Pedro, vista da enseada magnífica
emoldurada pela montanhas; outro bando pousando na própria Serra do Mar,
em sítio envolvido pelo palmital preservado e delimitado por riachos
límpidos. Entre eles, a estrada sonora…Ao alvorecer, logo após o café da
manhã, ou durante os beliscos no citado bar invadindo horário de almoço
e se estendendo até o inexistente lanche da tarde (ou seria brinde da
tarde?), ou ainda do poente ao nascente, desafiando a noite ora escura
ora estrelada, lá está a turma cantando os sambas, as valsas, as
serestas, as rumbas e tchachachás (Dona Ináh arrebentou, de novo),
sempre entremeadas as sessões com intervenções piadísticas do mano
Nandão (que envelhece neste domingo, problema dele) ou do mais recente
membro da delegação, o Vadinho Nogueira, fazendo a ponte
Brotas-Araraquara-Santos.
O que dizer ou resumir de momentos como estes? No
mínimo, afirmar que a vida faz sentido, que apesar de suas tempestades –
e não são poucas, para quem não tem, em geral, sobrenome político – as
bonanças chegam em forma de congraçamento, mesmo depois de um ladrão ter
invadido a casa da praia (meia hora depois todo mundo já estava
cantando novamente).
O que sugerir, como lição de vida, para aqueles que
hoje acabam por se trancar em suas vidas sem vislumbrar alegrias,
correndo para psicanalistas, preenchendo o batente com reclamações e
críticas sem se penalizar dentro do imobilismo característico da maioria
das pessoas? Talvez, pegando o gancho com João Nogueira, o grande
sambista que neste cinco de Junho completou treze anos de ausência entre
nós, reproduzir os versos de seu samba que o levou ao estrelato dos
nobres, pela voz de Elizete Cardoso, ouvir “Corrente de aço”, prestando
atenção na letra : “Eu cansei de viver chorando/cantando agora sou
feliz/a tristeza mora ali ao lado/e é tão fácil fazer o que eu fiz/amigo
siga o ditado/que a música ao amor conduz/canta, quem canta/seus males
espanta/e num samba de amor/pode surgir a luz”(…)
Mestre João estava certo…Nossa turma seguiu seu
conselho…Monte a sua, de repente, não mais que de repente, a estrada
sonora irá surgir. Nem há necessidade de ligar mar e serra, pode ser na
selva da cidade, mesmo, pois essa estrada nasce no interior da gente…