O CINTO DA DELEGADA

Em “Delegado Chico Palha”, Zeca Pagodinho, nos idos de 1.990, caracterizava o poder policial da década de 1.940, em que a autoridade máxima “não prendia, só batia”, conforme composição de baluartes da suburbana Império Serrano para descrever o terrível delegado das redondezas daquela escola de samba.
Bezerra da Silva, desde seus primeiros LPs – década de 1.980 – até o seu penúltimo trabalho em 2.003 (o último teve produção bastante diferente, já enfocando sua fase em que havia se convertido à uma seita evangélica, abandonando o estilo tradicional), fazia questão de colocar no repertório sambas em que as DPs – delegacias de polícia – sempre apareciam, contando de forma realíssima o cotidiano do Brasil das periferias das grandes metrópoles, em que as leis pegam pra valer para aqueles que não possuem dinheiro para pagar bons advogados para irem protelando sentenças criminais. Lembro-me de, nessa linha, uma samba famoso – “A semente” – em que um indivíduo plantou maconha no seu quintal e, na hora da averiguação, o bicho pegou :”Quando os federados grampearam e levaram o vizinho inocente/na delegacia ele disse doutor/não sou agricultor, desconheço a semente”, fina ironia em melodia e ritmo envolventes.
O interessante, ao se misturar arte e realidade, é notarmos que, na imensa maioria das delegacias, o cargo de delegado de polícia é ocupado por profissional do sexo masculino, sem grandes estereótipos ou perfis carismáticos, excetuando-se alguns como o Chico Palha citado e o lendário xerife Hooker norte-americano, protagonista em vários filmes de outrora, guardados  outros poucos desconhecidos que estariam espalhados pelos 6561 municípios brasileiros.
Exceção das exceções, uma novela recém-encerrada – nem noveleiro sou, minha esposa é quem me passou a ficha completa – caracterizou nesse cargo uma bela atriz, com trejeitos e badulaques modelando a personagem. Brincos, pulseiras extravagantes, roupas coloridas e, principalmente, um cinto de “duas voltas” (as mulheres reparam em tudo).
Nos entremeios dos preparativos do Dia das Mães, ao assistir a jornais televisivos, várias matérias mostrando pontos comerciais famosos como a Rua 25 de Março na capital paulista, os quais posicionavam como líder dos presentes o tal cinto. Não só lá como aqui – nas lojas da Alameda Paulista, minha fiel informante disse-me o mesmo – ou seja, esgotou-se o artigo. A mamãe de 2013 estava se vestindo de delegada pelo Brasil afora, era só sair pelas ruas e restaurantes do domingo que víamos nos almoços muitas delegadas, o que, confesso, fez-me surgir uma onda de superproteção totalmente paradoxal ao atual estágio de violência desprotegida que vivemos pelo nosso Estado.
Que bom seria se pudéssemos contar com a arte – no caso, do entretenimento influenciável – para melhorarmos a realidade de nossa sociedade. Comecei a imaginar essa legião de delegadas autuando responsáveis pelas infindas e imensas filas nos atendimentos em postos de saúde ou batendo pesado nos dirigentes dos planos de saúde que não cumprem as carências admitidas pela lei para consultas, exames e cirurgias; confesso que fechei os olhos e vislumbrei cenas como delegadas chefiando expedições para punir automóveis travestidos de discotecas ambulantes ensurdecendo-nos a cada farol fechado; cheguei a vibrar nesse sonho com delegadas invadindo bancos e autuando gerentes que não respeitam o limite dos quinze minutos de espera para o atendimento (já cheguei a ficar 50 minutos numa fila, como muitos, imagino, e os responsáveis do estabelecimento bancário dizendo que nada poderiam fazer, um funcionário havia faltado, desculpa na ponta da língua), evitando as fila enormes dos dias de pagamento, principalmente.
Que maravilha seria esse país, todo mundo respeitando leis, percebendo que o vizinho do lado também tem direitos e deveres como o infrator que sempre ficava impune. Agora não, temos um exército de delegadas caseiras, que inspiradas na personagem da novela, iriam botar pra quebrar e não deixar barato. Porém – e sempre tem um porém, como já sentenciara Paulinho da Viola em “Foi um rio que passou em minha vida” –  isso estava acontecendo em meu sonho. Ao abrir os olhos, numa fila “self-service” do almoço do Dia das Mães, fui simplesmente podado por uma dessas delegadas na hora de me servir…Pensei bem, dia festivo, ela, uma delegada- de cinto duplo e tudo mais – e mãe ao mesmo tempo, nenhuma chance teria em minha argumentação. Afinal, ela era autoridade naquele momento…