Nos dias atuais, trata-se de uma dúvida e tanto, que fica sem
resposta para aqueles e aquelas que estavam acostumados a traduzir
música como algo que fizesse com que o sensorial humano fosse ativado,
não só o corpo, mas principalmente a alma.
Na tentativa de ajudar a encontrar uma resposta para
essa questão, fui até ao dicionário e consegui algumas “pistas”. Para a
definição de entretenimento encontram-se como sinônimos as palavras brincadeira, distração e divertimento; para a definição de música encontra-se como resposta arte e ciência de se combinar sons de modo que agradem aos ouvidos; música é entendida, também, como a musa das musas, compreendendo-se que musa seria cada uma das nove deusas que presidiam as artes liberais, isso na Grécia antiga.
Como a cultura grega é a base de nossa cultura
ocidental, cultura esta propagada pelo império romano que subjugou o
domínio grego após terríveis batalhas, julguei interessante seguir na
pesquisa da linhagem artística de nossos ancestrais do ocidente. E ali
conseguimos declinar o nome das nove deusas e as respectivas artes
liberais assim concebidas, a saber: Calíope – poesia épica, Urânia –
astronomia, Polímnia – arte mímica, Erato – poesia erótica, Terpsícore –
dança e canto coral, Melpôneme – tragédia teatral, Tália – comédia,
Clio – história e, finalmente, Euterpe – poesia lírica e música.
Pois então. Na ancestralidade, como vemos na
concepção, poesia lírica está associada a música, ou vice-versa, como se
fossem coadjuvantes e protagonistas ao mesmo tempo, já que a música
erudita de Beethoven e Chopin poderia gerar a mesma sensação ao ouvinte
que uma ópera musicada, com letras que envolvem o tal lirismo.
Paralelamente, durante o processo civilizatório, já
se desenvolviam registros do que hoje convencionamos chamar de música
popular; em nossos primeiros guardados, encontramos tanto letras em que a
poesia lírica aparece, como também letras que funcionavam tipo crônicas
musicais da época, retratando o cotidiano do local e seus personagens e
feitos. Havia, com certeza, músicas em que a zombaria prevalece, muitas
com fina ironia; no caso brasileiro, isso é até fácil de se constatar,
se nos debruçarmos na produção musical a partir de 1902, quando os
primeiros acetatos foram cunhados, no princípio das gravações musicadas
da famosa e pioneira Casa Edison, no Rio de Janeiro.
Fiz todo esse apanhado para podermos mergulhar no
universo atual da nossa música popular brasileira e, talvez,
conseguirmos responder a pergunta do título. Partindo do divisor de
tempos – para o universo das gravadoras – do ano de 1.989 (queda do Muro
de Berlim, fim do “conceito” de socialismo na prática, excetuando Cuba,
como costumam dizer os historiadores) – onde o capitalismo dá as cartas
sem vetor contrário – o que presenciamos, sem nenhum precedente em
toda a história da MPB, é a mediocrização total da música, se comparada
ao conceito das artes liberais aqui exposto e de onde partimos.
Seja no axé-music(?), seja no sertanejo
universitário, seja no pagode, no funk, no tecnobrega ou em qualquer
outra vertente inventada e posta como moda no mercado fonográfico pela
mídia dominante, o que lemos em suas letras é a total banalização da
poesia lírica que se entendia como sinônimo ou parte integrante da
música. Versos que potencializam erotização barata, acintosa, sequências
ou cadências melódicas – se é que podemos associá-las a melodias – com
quatro ou cinco acordes óbvios, e apenas o ritmo pulsante prevalecendo.
Quando lemos e nos atentamos às descobertas da
ciência e da tecnologia, sempre temos a tradução imediata de que estamos
evoluindo, no que tange a equipamentos, objetos e práticas
civilizatórias; por outro lado, ao ouvirmos as tais vertentes musicais
citadas no parágrafo anterior, temos a nítida impressão de que estão involuindo
no processo de nossa sociedade, a não ser que entendamos que essa MPB
que domina os meios de comunicação seja traduzida apenas como entretenimento e não como música.
Fiquemos, assim, com as duas opções de resposta…Ou aceitamos essas vertentes da MPB dominante como entretenimento, apenas, ou nos orgulharemos em dizer que estamos involuindo na
praia musical. Cada um que faça a sua análise e escolha a resposta para
a questão de onde partimos…Enquanto isso, abro aqui o movimento para
salvaguardarmos a memória da deusa Euterpe!!!