Paulo Emílio Vanzolini, doutor
emérito no assunto envolvendo répteis e compassos binários do samba, se
foi… Cobra dá samba? Não sei, ele, imortal, é um cobra, também na arte
de descrever, em forma de crônica musicada enfeitada pela cadência do
samba, cenas de uma metrópole desvairada como São Paulo.
Com seu intransferível charuto,
Paulo Vanzolini esteve entre a gente araraquarense em Novembro de 2001,
dentro do projeto “Tem bamba no clube”, idealizado pelo Paulo Chediek e
sua diretoria. Foi a primeira vez que visitava a cidade para um show,
incrível isso, pois na época já estava chegando perto dos 80 anos. Em
verdade, ele não cantaria no show, apenas faria intervenções ao longo da
apresentação, ilustrando as histórias por trás das composições, tão bem
interpretadas pela cantora – e segunda esposa – Ana Bernardo.
Esse projeto memorável e de curta duração – menos de um ano de vida e
se findou – trazia, sempre, duas atrações. Naquela noite de Novembro,
antes do Paulo Vanzolini, entrava no palco o sambista Luiz Mel e seu
grupo Sandália de Prata, para mostrar que São Paulo não foi, não é e nem
nunca será o “túmulo do samba” dito pelo poetinha Vinícius numa noite
de pouca inspiração. Os shows, tanto do Luiz quanto do Vanzolini, foram
imperdíveis, cheios de humor e melodias acompanhadas por músicos de
primeira linha, mas, confesso, o melhor estava por vir, após o final dos
shows…
Era já por volta de 1h30 da madrugada, e, de repente, sem ninguém se
organizar pra isso, sou chamado pelo Rodrigo – filho de Chediek e amante
do samba – para irmos presenciar uma roda de samba e choro que estava
se desenvolvendo na área externa do salão do Araraquarense, adjunta às
quadras de tênis, improvisada e comandada nada mais nada menos pelo
mestre Paulo Vanzolini, que, ao centro – e com seu copo de cerveja
sempre cheio – ditava as músicas que seriam interpretadas pelos músicos
que o acompanharam e pelos músicos que acompanharam o Luiz Mel, numa
confraria musical de fino gabarito.
Fui procurado pelo chefe dos garçons do restaurante, ele preocupado
em servir o jantar aos artistas da noite, para poder liberar as
cozinheiras. Pedi um tempo para lhe responder, tempo que, em menos de
vinte minutos depois, percebi que aquela roda não tinha hora para
acabar, como qualquer boa roda de samba e de chorinho que se preze (esse
é o perigo que as esposas sempre correm).
A cozinha foi liberada, as cozinheiras foram todas embora, não houve
janta pros músicos, apenas pedimos que um garçon – que também gostava de
música, o Walter – ficasse no apoio pra não deixar faltar a cerveja pra
todos que ali se encontravam (quando olhei para os lados, devíamos
estar em umas cinquenta pessoas, inclusive o Paulo Chediek, que já havia
ido embora e voltou, se acomodando como era possível, no entorno da
roda, entre eles o Miguel de Lorenzo e sua esposa, que me perguntavam,
sistematicamente, se aquilo que estávamos presenciando era verdade ou
fruto de alucinação alcoólica). Não poderia faltar cerveja para o nosso mestre de cerimônias Paulo Vanzolini…
E a madrugada avançou, uma, duas , três horas depois e, enfim, perto
das quatro da matina, nosso mestre decidiu que seria a hora de pararmos,
muito provavelmente por que a cerveja já não estava descendo como no
início, só por isso. As músicas que foram tocadas e cantadas, se não
estou enganado, não eram do repertório do Luiz Mel e/ou da lavra do
Paulo Vanzolini, foram clássicos e sucessos de todos os bambas de nosso
cancioneiro, desde samba canção, chorinhos do Isaías do bandolim, obras
primas em geral. E sempre que uma canção dessas terminava, havia o
comentário do Paulo Vanzolini, com algum fato correlato à tal canção.
Recentemente, encontramos por várias vezes Paulo Vanzolini no famoso
Bar do Alemão, zona oeste paulistana, reduto de resistência da boemia
local, propriedade do Eduardo Gudin – outro grande compositor e sambista
paulistano – e do sócio Flavio, gente finíssima, mais um amigo gerado a
partir da música. Sempre na mesma mesa, sempre com o copo de cerveja
cheio, ouvindo Ana Bernardo cantar sua obra. De vez em quando, empunhava
o microfone para ilustrar algo sobre a música recém interpretada.
Lúcido, um pouco mais lento, mas ainda genial. Se foi o Paulo Vanzolini,
mas também ficou e ficará entre nós o Paulo Vanzolini através de sua
obra, a qual será, ainda, por muitos e muitas, revisitada, reeditada.
São Paulo é, também, um berçário do samba, a frase do Vinícius é que foi
pro túmulo!!!