O fusca VK – 2907 e o serviço de som do Estádio da Ferroviária

   Antonio Longo, nosso querido Tio Toninho, chegou aos 90 anos. Pessoa muito bondosa, extremamente simpático e competente no trato com os clientes na sua pharmácia (assim se escrevia na década de 1.960) localizada na Rua São Bento, bem como com seus alunos e colegas professores da Faculdade de Farmácia da Unesp, na qual, inclusive, chegou ao cargo de Diretor.
Muito mais que um excelente profissional, um torcedor apaixonado pelo Palmeiras e pela Ferroviária, clube em que chegou a ocupar, também, cargo diretivo. Tínhamos na faixa de 7 anos eu e meu mano Nandão, e, por “culpa” do Tio Toninho, nos tornamos fanáticos por futebol e pela AFE (pelo Palmeiras não deu, devido à ingerência do “seo” Cícero, pai corinthiano ferrenho). Morávamos próximos – ele na Rua 6, nós na Rua 7, e, com seu potente fusca azul real placa VK – 2907, invariavelmente nos levava ao Estádio Municipal para assistirmos aos jogos do Campeonato Amador (de saudosas lembranças dos clássicos envolvendo Benfica X Santana, Palmeirinhas X ACCO, Paulista X Gracianauto, entre outros), ou aos jogos depois do catecismo no campinho do Parque Infantil (íamos em 9 moleques mais ele na direção, acreditem, cabia todo mundo) e, claro, aos jogos da Ferrinha na então Divisão Especial do Paulistão (série A2 era segunda divisão, panorama muito distante a ser a imaginado que um dia chegaríamos), com seus timaços onde perfilavam Bazani, Teia, Maritaca, Zé Luiz – meu grande ídolo na meia direita – Lance, Baiano, Fernandão e muitos outros que freqüentemente eram revelados nas categorias de base (hoje, infelizmente, fato raro).
Cidadão pacato, sempre com um sorriso no rosto e um aperto de mão seguido de fortes batidas da palma da mão nas costas(até hoje), só ficava nervoso quando a Ferroviária enfrentava o São Paulo. Nosso ponta-esquerda Nei – que inclusive foi pro Palmeiras e Seleção Paulista/Brasileira – simplesmente destruía, com milhares de dribles, o seu violento marcador Pablo Forlan, pai do Forlan, capitão da Seleção Uruguaia atual. Num desses jogos, Tio Toninho, furioso com mais uma entrada maldosa no Nei, desceu correndo os degraus da ala dos sócios – que hoje corresponderia, na Arena da Fonte, ao lado esquerdo do campo, próximo à trave que tem aos fundos o Gigantão – e, tomando fôlego, já nos alambrados, elogiou o uruguaio com o “palavrão” Tupamaro!!!(na época, era tupamaro um grupo de guerrilheiros que atuavam ao sul da América do Sul).
Lembranças inesquecíveis de um tempo em que, apesar da ditadura militar (éramos pequenos, nada entendíamos da cena política), nos propiciava sonhar, almoçar, jantar e dormir falando e praticando futebol, devido às belas performances da Ferroviária e da Seleção Brasileira, que chegava ao tricampeonato mundial em 1.970 na Copa do México. Jogávamos bola no quintal (ele, de sapatos, voltava da faculdade pra ver nossa avó Ninela, a mama Rafa e aproveitava pra bater uns pênaltis contra a extinta parreira que funcionava como trave), jogávamos botão o dia todo, a semana inteira, sempre aguardando os domingos para entrarmos no fuscão azul e nos esbaldarmos nos estádios da vida.
Creio, inclusive, ser o Tio Toninho o responsável indireto por mais uma paixão da minha vida, o samba. Nos intervalos dos jogos na Fonte, entrava em cena pela segunda vez na domingueira (a primeira vez, antes do início, para dar as escalações)o  serviço de som do estádio. Após passarem em revista os resultados da rodada – e antes dos times voltarem para o segundo tempo – ouvíamos MPB de qualidade. Ali, eu, na idade de Grupo Escolar, comecei a identificar os sucessos dos Originais do Samba, do Paulinho da Viola, do Martinho da Vila, que debutavam em suas carreiras. Sons inconfundíveis, incólumes até hoje em minha memória, razões de minha batalha infinda pela preservação e difusão do samba.
Ao poder abraçá-lo e cumprimentá-lo por seu nonagésimo aniversário, saiba que somos eternamente gratos pela sua existência, seu companheirismo e  sua conduta, a qual influenciou a todos os cinco irmãos. Pra quem não teve um tio como o senhor, talvez não consiga entender o teor desta crônica…Parabéns, Tio Toninho, e que não vá embora antes da gente!!!!