Meu amigo sambista, carioca da gema, Ernesto Pires, já
havia sacado o título que hoje nomeia a coluna há uns seis anos, quando
lançou seu primeiro CD de carreira. “Os novos quilombos estão aí”, é o
primeiro verso da faixa um, que enaltece os locais, não só no Rio de
Janeiro – onde ele vislumbrou a cena – mas em todo o país, mais
acentuadamente em nosso sudeste, onde o gênero musical samba ganhou seu
formato ao qual o identificamos, a partir da turma do Estácio
capitaneada por Ismael Silva, Bide e Marçal.
Quilombo – desde o histórico Palmares – é sinônimo de
resistência cultural, entendido como cultura uma forma de viver e
conviver, seja no ato de comer, de se vestir, de se relacionar, enfim,
de se sentir cidadão em harmonia com o território em que a vida
acontece, não só por reprodução de costumes, mas, principalmente, por se
poder construir e contar, cada indivíduo, a sua própria história.
A resistência “é que são elas”, a parte mais difícil do
script, principalmente nos dias atuais, em que a globalização chega
pesado impondo novos costumes, visando, única e exclusivamente, o ganho
financeiro para quem dita as novidades. A cultura do novo é fundamental
para que novos ganhos financeiros ocorram. O novo “hit” pra balada
noturna, a nova marca de condicionador-para-cabelos-levemente-ondulados-
com-pontas-quebradiças, o novo bordão pras tribos poderem se comunicar.
A noção de “velho” passa do absoluto da idade cronológica para o
relativo do tempo em que o novo-novo durou até se esgotar, como por
exemplo aquela bela sinfonia composta(?) por Michel Teló, que já saturou
a paciência até de quem não oferece resistência às novidades exógenas.
Pois então, os novos quilombos que trato são os espaços –
normalmente pequenos mas muito alegres e genuinamente cheios de
brasilidade – que estão surgindo nas cidades brasileiras, em particular
no sudeste, como disse, mais especificamente em Araraquara e São Carlos,
municípios para os quais estamos e voltamos sempre, ou vice-versa. São
pequenos bares, geralmente comandados por pessoas jovens que, não
satisfeitos em reproduzir o que a globalização impõe, acabam por adotar o
samba como o elo aglutinador das manifestações culturais musicadas.
Em São Carlos conhecemos recentemente o Toca da Criola,
em Araraquara podemos citar a Casa Lima, a Casa Bersanetti, o Santa
Origem e a lanchonete Johnny Gula – por mais híbrida que pareça no nome,
a alma é guiada por cuícas, tamborins e cavaquinhos – todas elas
passando a limpo a lição de Zumbi e fazendo várias gerações se
(re)encontrarem e se (re)conhecerem na simplicidade, na dignidade e nas
mensagens que os sambas clássicos e inéditos nos passam. Quem já curtiu
pelo menos uma roda de samba nesses locais sabe do que estou falando…E
quem não curtiu, é só se agendar – desligando a televisão – e correr o
risco de se sentir um pouco mais brasileiro…