O HOMO CURVADUS

  Mestre Charles Darwin sacou a seleção natural dentro do processo de evolução das espécies, criou uma teoria que até hoje vigora, base dos estudos da biologia e ciências afins. Diz-se que a seleção natural age, combinando fenótipos (fatores ambientais) mais favoráveis com genótipos (fatores hereditários) prevalentes de tal forma que, em tempos futuros, as espécies estariam modificadas, e, por extensão, evoluídas(?).
Charles Darwin é do século 19, obviamente não conheceu outro mestre, o Candeia, século 20, do samba da Portela e do Gremio Recreativo de Arte Negra Quilombo, fonte de resistência de nossa afro ascendência. Candeia pouco estudou, não conheceu Darwin, teve que trabalhar desde antes, mas sabia e sentia que, se não preservássemos nossas raízes, seríamos engolidos pela seleção natural ditada pela globalização galopante da ditadura do consumo.
Dito e feito, veio o século 21, e, logo em sua primeira década, nos deparamos com os ensinamentos gerados pelos dois grandes mestres citados acima, amoldando, entre causas e efeitos, o despontar de uma nova sociedade, menos humanizada, mais tecnológica, menos paciente, mais pragmática, guiada pelo que poderíamos chamar de seleção natural induzida.
Candeia eternizou poemas em que destaca o tempo como um grande vilão, como em “Expressão do seu olhar”, onde, nos versos finais, sentencia de forma cortante: “E Deus criou/a beleza da mulher/vem o tempo e destrói/a obra do criador”; por outro lado, mais do que rapidamente, diretores e empresários do setor de cosméticos – o que mais cresce em nosso país, cerca de quinze vezes mais que os nossos míseros 2% de aumento no PIB – e que muito provavelmente jamais ouviram esse belo samba mas tinham estudado um pouco sobre a tal seleção natural, também perceberam essa característica de nossa espécie e trataram de produzir antídotos para o inexorável, em forma de cremes, próteses e aplicações para o rejuvenescimento humano, notadamente para o universo feminino.
Darwin, branco, não dispunha de grande arsenal para se comunicar em sua época, o revolucionário código Morse ainda estava se desenvolvendo quando de suas primeiras publicações, o telefone do Graham Bell trocava suas primeiras palavras, e a internet nem figurava nos devaneios dos bambas das academias das poucas universidades existentes, locais onde se debruçavam, a serviço de seus respectivos imperadores, os expoentes maiores de nossa raça Homo Sapiens.
Candeia, negro, mesmo cem anos após Darwin, também não dispunha de muito espaço na mídia, de forma que aproveitava, quando lhes ofertavam, os microfones das rádios e dos shows para reafirmar e posicionar a luta pela igualdade das raças, vislumbrando, na ausência desses embates, a vitória da seleção natural induzida pelo dominador.
Darwin e Candeia, iluminados e humildes, guiados para o bem da humanidade, se foram, deixaram seus inequívocos legados; no entanto, jamais imaginariam que, em tão pouco tempo, o Homo Sapiens, que evoluíra do Homo Erectus, se modificaria, neste novo milênio, gerando, através da seleção natural induzida, o Homo Curvadus, cujo termo aqui e agora grafado carece de ser patenteado e aceito pelos organismos internacionais.
Homo Curvadus, ora pois pois, diria nosso descobridor Pedro Álvares Cabral…Será assim, talvez, que venha a ser reconhecida, em sua viagem evolutiva(?), a atual civilização a qual fazemos parte, cuja característica marcante é o seu olhar curvado a uns 45 graus sentido descendente – mesmo que se esteja andando a pé – focalizando o celular pra digitar sem parar; homo curvadus também se aplica devido à sua segunda característica marcante, que é o celular se ajeitando com a mão em curva se adaptando aos ouvidos…Será que teremos orgulho de dizer que fazemos parte da raça Homo Curvadus? Seria evolução ou involução?