“(…)Vou voltar para o meu lugar, foi lá/que eu hei de
ouvir cantar uma sabiá…”. Durante um mês, talvez um pouco mais, essa a
trilha sonora que perdurou e comandou as ações de nossa casa, sendo que,
nos últimos dias, com direito a passagens angustiantes, emocionantes e,
por fim, compensadoras.
Como aqui escrevi na coluna anterior, pela primeira
vez em mais de 23 anos de moradia, hospedamos em nosso quintal ninho de
um casal de sabiás pardos e seus respectivos filhotes (havia afirmado
que eram dois, na verdade nasceram três, caso maravilhosamente raro,
como diriam os especialistas). Aquele relato se fechava em si, pensara.
No entanto, na medida em que os dias de vida dos filhotes foram
avançando – e nada de eles colocarem os bicos e asas para fora do ninho –
nossa expectativa ia gradativamente se aumentando, imaginando uma
sequência de filme da Disney, quando, do nada, os mesmos estariam se
equilibrando na borda do ninho, nos dando bom dia e ensaiando seus
primeiros vôos.
Roteiro perfeito para ser verdade, lendo artigos a
respeito os quais tratavam da alimentação, acasalamento e gorjeados mais
conhecidos, sempre ficava a dúvida de como seria a passagem dos mesmos
para a vida “adulta”, com direito a vôos e caça às minhocas e
congêneres, a inconsciência trabalhando e retrabalhando idéias,
municiando a ansiedade, dando asas, literalmente, à imaginação. E como
nós, seres humanos, sempre nos achamos mais espertos que animais ditos
não racionais, no final da semana passada ultrapassei os limites do bom
senso e, posicionando escada próxima ao toco do coqueiro hospedeiro do
ninho, me aventurei a bisbilhotar o que rolava logo cedo no lar dos
passeriformes – é mole – gênero da espécie cujo nome científico é
“Turdus leucomelas”.
Óbvio que a minha burrice tinha que prevalecer.
Assustados, dois filhotes já completamente emplumados saíram e caíram do
ninho, para nosso desencanto e desespero, aliás compartilhados pela
fêmea do casal, que, enfurecida, alçou vôo em minha direção com intenção
– e razão – de me atingir e ferir, já que eu havia acabado de infringir
uma lei da natureza até então desconhecida.
Momentos de angústia, os filhotes no chão, saltitando
em direção ao fundo da casa, onde já pastavam por ali os gaviões
fazendo seu café da manhã com as muitas lagartas caídas do coqueiro;
nossas boxers nos acompanhando na cena, uma delas, a Súria, por diversas
vezes condecorada por caçar ratos e advertida pelas várias pombas e
rolinhas já abatidas em seus onze anos de traquinagens, na espreita,
tentando entender a confusão por mim criada. Duas horas depois, debaixo
do pampeiro da fêmea e do macho, conseguimos, eu e minha esposa,
recuperar e recolocar os filhotes no ninho…Ufa, remissão do pecado,
pensei!
Coisa nenhuma, pecado maior, burrice indômita, me
ensinou horas depois o mano Nandão, especialista em bichos, plantas e
piadas censuradas, além da ginecologia. Disse-me que os filhotes
precisavam “pastar” primeiro, adquirir confiança e força sob os
ensinamentos da mãe – o pai continuava cantando enquanto a mãe voava e
zelava pela proteção e alimentação – para, algum tempo depois (que
tempo, quanto tempo? meu cérebro matemático me enchendo a paciência),
saírem do chão, subirem em galhos baixos de árvores e, de repente, como
no imaginário filme do Walt Disney, lá estariam pelos telhados e topos
da acerola, da amoreira e, por fim, o céu é o limite, adeus colina que
eu já vou me embora…
E assim se deu, com a fêmea totalmente estressada e
jurando vingança à minha pessoa, que os filhotes se foram, nos
abandonaram e, junto com eles, seus pais…Entre a alegria de ter
assistido o alçar do vôo do último filhote e a tristeza de saber que,
por ora, não estaremos ouvindo o canto do pai nem vendo a labuta e zelo
da mãe, a esperança nos chama, na forma entoada da canção que não quer
calar…”Vou voltar para o meu lugar/lá eu hei de ouvir cantar uma
sabiá…”Espero, firmemente, que o casal tenha me perdoado, assim as
chances de nova cria estarão vivas…