O SÁBIO SABIÁ

O famoso ornitólogo Dalgas Frisch publicou, após muitos anos de pesquisas e expedições para fotografar e gravar o canto de pássaros brasileiros, que o sabiá é aquele cujo trinado melhor se identifica a partir do ouvido humano, devido à frequência do mesmo se estabelecer numa posição intermediária entre o ruído (poucos decibéis) e o barulho (acima de 80 decibéis), soando de forma suave, nítida e harmônica.
Em nossa casa, nesta semana, estamos festejando o nascimento de dois filhotes de sabiás. Aprendi a admirar seu canto com o saudoso sogro Elifas, que, após cada dia de sua suada labuta, se sentava na varanda para ouvir as dezenas de sabiás que criava – laranjeiras/pardos/baianas – conseguindo, de forma incrível, reconhecer e distinguir cada um deles pelo seu canto, sem olhar para a posição das gaiolas. Ele me explicou que não existem dois sabiás com o mesmo canto, todos cantam diferente, até para facilitar, para a fêmea, a escolha na hora do acasalamento, no prenúncio da primavera, começo de Setembro, quando eles estão distilando melodias incríveis para atraí-las e, posteriormente, ensinar os filhotes a trinar.
Nosso pequeno quintal tem algumas palmeiras, muitas orquídeas e plantas frutíferas, entre as quais a amoreira, recém-chegada – nem um ano de hospedagem, ela que substituiu um cajueiro adoentado – mas já carregada de frutos, os quais, além do mamão e da banana, estão no cardápio preferido dos sanhaços, maritacas (velhos coadjuvantes desse espaço) e dos sabiás, que em mais de duas décadas nunca deram a cara por ali, só agora. Eles fizeram um estágio no terreno vizinho, cujo perímetro é pontuado por grevilhas, mais altas do que o oitão da edícula, de onde, muito provavelmente, o sabiá observou seus futuros almoços.
Demorou alguns meses, talvez dois, a gente sempre ouvindo esse canto que vinha das grevilhas e de repente parecia se aproximar, mais nítido, forte, para que conseguíssemos descobrir que ele estava fazendo o ninho, de forma sábia, no toco de um coqueiro que havia perdido sua copa e se recoberto de orquídeas ainda sem flores, numa posição protegida do vento, da chuva (há outros coqueiros no entorno protegendo o toco restante) e da visão humana (só do muro de divisa se pode ver o ninho) e dos gaviões que rondam os telhados esperando a sobra da marmita das duas boxers que temos.
São dois filhotinhos de sabiá pardo, ainda sem penugem, alimentados de forma criteriosa pelos papais que não saem de perto e, ao nos verem rondando o ninho, desesperadamente voltam, aos gritos, pedindo para sairmos das redondezas, como a dizer que ali não é lugar pro ser humano estar, ele, ser humano, que gradativamente vem acabando com as matas e florestas, não restando outro caminho para as aves senão rumar sentido cidades para procurar sobrevivência. São Paulo, aliás, nesta época do ano, apresenta em todos os seus bairros uma sinfonia magistral de sabiás, que começam cedo, pela madrugada, cantando para ensinar seus filhotes, como me lembraria “seo” Elifas.
Voltei ao ninho antes de terminar esta coluna, a mãe está por lá, não iria dar a deixa duas vezes no mesmo dia pra que pudesse ver sua cria. O macho, na amoreira, me espiando. Ouço, ao longe, a vencedora do III Festival Internacional da Canção, “Sabiá”, de Chico e Tom Jobim, 1968 : ”Vou voltar/sei que ainda vou voltar/para o meu lugar(…)”. Puxa, faz 23 anos sem o “seo” Elifas, quem sabe não seja ele que voltou pra nos ver, em forma de sabiá? Semana que vem é finados, talvez os filhotes já estejam empenados, quem sabe começando a cantar…Nosso presente de Natal chegou antecipado este ano…