UM TOM BEM BRASILEIRO

Até no nome identificava o seu país, abrigava-o dentro de si. Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim faz aniversário hoje. Oitenta e seis anos, se bem que muitos dirão que ele nos deixou em dezembro de 1.994, e, como réplica, contradigo que, obviamente, quem é imortal não está sujeito a esses detalhes banais.
Maestro? Pianista? Arranjador? Compositor? Mais que qualquer categoria que se tente enquadrá-lo, talvez classificá-lo como ao mundo veio, ora, um Brasileiro, seria mais completo e correto. Amante incondicional da terra, compunha e cantava sua preocupação com a natureza… “Águas de Março”, “Passarim”, “Chovendo na roseira”, apenas três de sua coleção de obras primas que enfocam o tema. Aliás, a última citada, quando a ouvimos em sua forma instrumental, temos a sensação de estarmos escutando os pingos da chuva por sobre jardins floridos. Defendo a tese de que nem precisaria de letra para descrever o tema de fundo, o ambiente musical, tal a perfeita tradução que suas notas imprimem.
Gênio? Embaixador da MPB? Cantor? Violonista? Mais que qualquer adjetivo que se tente adequá-lo, ele já veio adjetivado, ora, um Brasileiro, intransitivo, no sentido pleno da análise sintática, verbo que expressa uma ideia completa, sem a necessidade de uma palavra para integrar-lhe seu significado. Amante de seu povo, que constantemente homenageava em suas canções, como em “Garota de Ipanema”, “O morro não tem vez”, “Só danço samba”, outro trio de seu infindo legado que fala de nossa brasilidade…
Bebendo na fonte de outro grande tupiniquim Heitor Villa-Lobos – que também nunca se furtou a enaltecer a pátria, fundindo o erudito com o popular – Tom Jobim se cercou – ou foi cercado, não se sabe bem – de múltiplos e fenomenais parceiros, como Dolores Duran (de vividos míseros vinte e nove anos), Chico Buarque e Vinícius de Morais, entre outros. Aliás, com o poetinha, produziu talvez a maior quantidade de suas inesquecíveis páginas musicais, basta elencar na sequência das três destacadas no parágrafo acima pérolas como “Ela é carioca”, “Água de beber”(coisa que, aliás, nenhum de ambos bebia com frequência) e “Chega de saudade”, esta última sendo reconhecida como o marco oficial do início da era “bossa nova”, 1.958, com a batida surpreendente de João Gilberto e a interpretação histórica de Elizete Cardoso.
Na humildade de genuínos Brasileiros, nunca, ambos, se furtaram a reconhecer que, por trás do rótulo bossa nova, pulsava o velho e bom samba, tanto que em várias de suas apresentações em conjunto, entre um e outro gole de whisky e de uma ou outra baforada no charuto, se entreolhavam no palco e se convocavam: “E aí, vamos cantar mais um sambinha?” (sambinha, claramente, não em sentido pejorativo e sim carinhoso, logo após cantarem “A Felicidade”).
Recentemente, no recém-findo 2012 , ano que fica pra história no que tange a belos documentários musicais produzidos e lançados no Brasil, tivemos a felicidade de assistir “Gonzaga, de pai pra filho”, “Tropicália” (do nosso amigo araraquarense Marcelo Machado) e “A música segundo Tom Jobim”.  Neste último, do começo ao fim do filme – de quase hora e meia de duração – o diálogo estabelecido entre o público e a película se mostrou inusitado. Nenhuma declaração dele, nenhum depoimento dos músicos e intérpretes que gravaram suas obras, nenhuma sílaba lançada ao ar que não fosse acompanhada de um sibemol menor ou de um mi maior. Não houve desperdício de tempo. Nenhuma palavra solta, nem um sim muito menos um não, apenas notas e mais notas musicais. Era assim que Tom traduziu o mundo…Que bom seria viver num mundo em que os diálogos fossem todos musicais, como propôs o mestre. Com certeza seria um mundo muito mais feliz, ainda mais para nós, Brasileiros…