O samba de terreiro das novas comunidades

Para quem não é tão acostumado às variantes do gênero samba, samba de terreiro, uma delas, surgiu com as comunidades pioneiras fluminenses, que se reuniam em espaços semelhantes a terreiros de café – há de se esclarecer aqui que toda a zona suburbana carioca se reconheceu a partir de antigas fazendas de café e engenhos de cana-de-açucar – isso nos idos de 1930, quando a maioria delas foi fundada, como a Portela, uma das mais conhecidas, de 1.928. Com o passar do tempo, do respectivo evolutivo processo de urbanização do subúrbio e da consagração das escolas de samba ali alojadas, os terreiros foram ganhando pisos e tetos até chegarem ao formato de quadras, e, consequentemente, tal variante citada passando a ser chamada de samba de quadra.
Se seguíssemos na linha do tempo, ao chegarmos aos dias carnavalescos atuais, nos depararíamos com um cenário no mínimo paradoxal, onde as famílias dos descendentes dos fundadores das escolas ainda se doam para o brasão como nos tempos idos dos terreiros, enquanto que a maioria de seus dirigentes nada a ver tem com tal comunidade, “sambeiros” que são em busca de divertimento fortuito globalizado nos ensaios das modernas quadras.
Cientes dessa transformação do ambiente, uma rapaziada paulistana, vejam só, atenta aos golpes mercadológicos aplicados no reinado momístico, desde o início dos anos 2.000 – a começar com o hoje extinto Terreiro Grande – se organizou em torno de recriarem, primeiramente, o espírito de comunidade das antigas escolas de samba, e, passo seguinte, retomarem, a partir de muita pesquisa e prática, a reintrodução do costume de se reunirem em torno de uma roda e, sem microfone e com muito gogó e respeito, cantarem os antigos sambas de terreiro compostos por baluartes do naipe de Candeia, Manacéa e Chico Santana, apenas para citar três brilhantes maiorais.
Chico Santana foi um dos fundadores da azul e branco de Oswaldo Cruz, a Portela e, recentemente, teve seu centenário de nascimento comemorado com muita alegria pela comunidade Terra Brasileira,  no Brás, um dos bairros mais tradicionais da Paulicéia. Numa roda com mais de quinze integrantes, sua lista infindável de sambas de terreiro foi entoada noite adentro por uma rapaziada cujo líder não chegara aos quarenta anos. Estive presente nessa roda, ambiente acolhedor, emocionante, curtindo e comemorando mais essa trincheira viva das raízes musicais deste país. Entre um gole e um refrão complementar, trocando idéias com a rapaziada responsável pelo evento, me explicaram que o intuito, não só daquela comunidade como várias outras espalhadas pela capital paulista, é retomar o gosto pelo samba de terreiro da antiga, focando apenas compositores da época de 1.930/1.940. Quando argumentei sobre o porque de não avançarem e cantarem sambas de terreiro não apenas do período citado, me justificaram que os mais recentes não “precisariam” ser lembrados, pois já estão na mídia.
Refletindo a resposta, ponderei que essa rotulação não seria cabível, pois, oriundos de gerações mais novas como Monarco, Paulinho da Viola e tantos mais jovens, não desfrutam de grande espaço midiático. O bom samba de terreiro não tem prazo de validade, nem época para nascer.


publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 04/08/2011