Samba, uma entidade

A frase não é minha, é do “seo” Nelson Mattos, mais conhecido como Nelson Sargento, baluarte da Mangueira, oitenta e nove anos a serviço do samba.
Em 1979, no auge da “discoteque” no país, João Nogueira resolveu arregimentar uma pá de bambas da estirpe de Paulinho da Viola, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Beth Carvalho, Elton Medeiros, Wilson Moreira, Nei Lopes, Nelson Sargento e muitos outros mais e fundar, em sua própria casa, no subúrbio do Meyer, o Clube do Samba, o qual teria o intuito de garantir local fixo para os grandes sambistas se encontrarem, se apresentarem, lançarem seus novos trabalhos, enfim, um espaço de resistência àquilo que se engatinhava na sucessória linha de ditaduras que se aninhavam por aqui – a então ditadura militar iria, paulatinamente, se transformando em ditadura cultural, como hoje incontestavelmente se nota, não só por aqui, mas em todo o globo terrestre.
Sergio Cabral, o grande jornalista e escritor, funcionava como um elo na divulgação dessa semente de oposição á imposição das gravadoras multinacionais que galgavam, passo a passo, “engolir” a produção de ritmos nacionais genuínos e substituí-los pelos modismos criados lá fora.
No ano anterior, 1978, o samba havia perdido uma liderança incontestável, o infatigável Antonio Candeia Filho, o mestre Candeia – criador e fundador do Gremio Recreativo de Arte Negra Quilombo dos Palmares, escola de samba alternativa aos modismos que apareciam na passarela do carnaval através de Joãosinho Trinta  -  que até de cadeira de rodas proferia “ de qualquer maneira meu amor, eu canto, de qualquer maneira meu encanto eu vou cantar”…Nesse mesmo ano, sentindo o baque e soando até como homenagem ao rei que se fora, Nelson Sargento sacramentava “ Agoniza mas não morre”, talvez um empurrãozinho a mais para que João Nogueira se enchesse de brios e, na ausência de Candeia, puxasse a fila para que , simbolicamente, o seu Clube do Samba pudesse vir a soar como um novo alento ao samba .
E, retornando a 1979,  ao ser perguntado, por uma repórter, sobre a febre do ritmo discoteque no país, Nelson respondeu, calmamente, com toda a sabedoria popular:
“Minha filha, o samba é uma entidade, sempre será forte, independente do modismo que aparecer”…E, cantando seu samba, a gente traduzia sua certeza: “Samba, agoniza mas não morre, alguém sempre te socorre, antes do suspiro derradeiro”…Candeia, João Nogueira, foram os primeiros que o socorreram…Em 1980 surgiu o Fundo de Quintal, pelas mãos de Beth Carvalho, final da década de 1990 apareceu o Quinteto em Branco e Preto em São Paulo, neste novo milênio muita gente nova o socorre, pelo quatro cantos do país…

publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 26/05/2011