Jessé Gomes de Oliveira Filho, o Zeca
Pagodinho, é meu contemporâneo, também nasceu em 1.959. Gerado e criado
no suburbano bairro de Irajá, zona norte carioca, despontou para o samba
nos pagodes – reunião com samba e não tradução de um subgênero
inventado pela indústria fonográfica – do Cacique de Ramos, às
quartas-feiras à noite, após a tradicional pelada, com o pessoal que
dali formou o Grupo Fundo de Quintal (ele e o grupo foram amadrinhados
por Beth Carvalho, que freqüentava os tais pagodes e “descobriu” os
novos talentos sambísticos ao final dos anos 1.970).
O Fundo de Quintal estourou logo no começo de 1.980, já o
Zeca conseguiu sua primeira gravação interpretativa só em 1.985 no
famoso disco Raça Brasileira, no qual debutaram, além dele, Jovelina
Pérola Negra e Mauro Diniz – filho do Monarco – entre outros. Em 1.986
conseguiu gravar seu pioneiro LP solo, o qual teve vendagem recorde,
onde despontavam sucessos como “SPC”, “Quintal do céu” e “Brincadeira
tem hora”, sambas que até hoje são cantados nas rodas de todo o país.
Com o direito – e o dever – de gravar um disco por ano
devido a contrato firmado, acentuou-se em seu repertório, em particular,
o samba de partido-alto e o samba de terreiro, geralmente buscado na
lavra da Velha Guarda, com assinaturas de Wilson Moreira, Dona Ivone
Lara, Alcides da Portela, entre vários outros bambas, como o próprio
Monarco, sua maior referência assumida, tornando-se característica de
seus trabalhos sempre essas duas vertentes, deixando entre si espaço
para elaborados sambas dolentes, de levada mais cadenciada, melodias
líricas e harmonias não tão evidentes.
O tempo passou, a produção artística e executiva foi
mudando, se adaptando aos “novos tempos” e, de repente, a vertente do
samba baiano (a partir dos sucessos “Samba pras Moças”, “Verdade” e por
aí vai) se incorporou às citadas anteriores, algumas com autenticidade,
outras – muitas – nem tanto; ao entrar no limiar do novo milênio,
prolifera seu trabalho em álbuns de regravações/gravações de shows ao
vivo – além (e com exceção) de um belo disco em que focaliza o samba de
gafieira – e o tão esperado CD novo do Zeca começa, ano após ano, a se
tornar previsível, como se houvesse uma “fórmula” para compô-lo. Assim
sendo, dentro dessa atmosfera, com uma produção repetitiva e pragmática –
onde a arte de se fazer música se transforma em endereço mercadológico
para o público majoritário já fiel – e, das catorze ou quinze faixas
elencadas por trabalho, apenas três ou quatro acabam saciando – pela
qualidade artística – seus fãs e seguidores tradicionais.
Recentemente, Zeca esteve no programa da Marília
Gabriela, para uma hora de perguntas francas e diretas sobre sua
trajetória e trabalho. A jornalista, apesar de não ser do meio do samba,
fez muito bem seu papel de inquiridora; do outro lado, o que se
assistiu foi a sinceridade e espontaneidade do sambista desfilando em
cada resposta, onde confessou sua infância difícil e humilde,
escolaridade até quarta série ginasial, sua preocupação com a família e
os amigos, que precisam de seu “Q.I.” para avançarem na carreira musical
(a partir, por exemplo, de uma música ou uma parceria selecionada para
seu próximo disco), tendo ou não qualificações para tal, pois, acima de
tudo, está o companheirismo e a solidariedade, traços marcantes da
personalidade do Pagodinho.
E assim transcorreu o papo, entre algumas confissões e
passagens hilárias até o final da entrevista, quando Marília perguntara
sobre os novos nomes do samba e o samba da atualidade. Ele, ao
responder, titubeou, contrariando seu bate-pronto característico…Pensou
um pouco, respirou e saiu com a seguinte frase: “Eu gosto dos sambas
mais cadenciados, mais lentos…Daqueles em que a gente, ao ouvir, volta a
faixa pra perceber a saída melódica, aquela nota que dá a diferença na
harmonia…Eu gosto do samba mais lento, hoje o samba está muito rápido,
fazer o quê, né?”. Conhecendo um pouco o trabalho do Zeca – e sua
sinceridade – o complemento desta última frase seria: fazer o quê, né?…O
mercado quer assim, então assim será!!!…Será???