O Samba Que Nasceu No Ceará

Tenho eu um samba – Correnteza – gravado e recém-lançado no segundo CD Elos do Samba, interpretado pelo amigo Zé Luiz do Império Serrano, no qual expresso em  versos a simplista mas sincera expectativa que tenho desta nossa passagem por aqui: “se ficar pela margem/aguardando coragem/pode ser que a vida/se decida a não reservar/as surpresas que trazem/o prazer da passagem/o futuro é o presente que a gente quer alcançar”…
Estes versos me vieram à lembrança e, curiosamente, me remetem à história de vida de um outro grande amigo que participou das gravações do CD, sambista ativista e responsável direto pelo desenvolvimento do segmento na Grande São Paulo, notadamente na região periférica da zona sul da Paulicéia, incentivador, entre tantos outros, dos hoje renomados irmãos Magno e Maurílio, do Quinteto em Branco e Preto.
Falo de José Marilton da Cruz, o Chapinha, cearense da região próxima à Itapipoca. Pessoa carismática, inteligente, de pouco estudo devido à sua orfandade antes dos dez anos, astucioso, de bem com a vida, tirando de letra as adversidades e fazendo delas o mote para algumas centenas de composições na área do samba, notadamente no gênero partido-alto. Fui visitá-lo em seu cafofo, nas imediações do Jardim São Luiz, bastante além da ponte do Morumbi.
Marcamos esse papo para sintonizar o samba, paixão que nos move no cotidiano da cidade grande. E, de repente, na maior desenvoltura e espontaneidade, mestre Chapinha foi traçando sua linha da vida, com inúmeras passagens surpreendentes (“as surpresas que trazem”, de Correnteza), tal como ele ter composto uma primeira música aos seis anos de idade, para deixar seu tio violonista e tutor musical estupefato. Aos catorze, já em Sampa indo ter a guarida dos manos mais velhos que trabalhavam por lá, se enturmou logo no primeiro final de semana com uma charanga de estádio de futebol; aos vinte e dois, passava no teste para a ala de compositores da escola de samba Vai-Vai paulistana, após mais de dois anos de “chá de banco” dado pelo chefe da ala.
Sua perseverança é um dom nato, sua militância no samba foi a grande responsável pelo surgimento da Comunidade do Samba da Vela a onze anos, nas imediações de Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Craque de primeiro escalão na arte de improvisar – partideiro de mão cheia – Chapinha,  modesto, nem de longe desconfia que nesses pouco mais de trinta anos de São Paulo, orientou e colocou na música muita molecada que poderia estar perdida no mundo das periferias. Tenho muito orgulho de gozar de sua amizade…É como diria Noel Rosa: o samba não se aprende na escola, o samba nasce no coração. Seja no Rio de Janeiro, seja aqui em Araraquara, seja no Ceará…Salve, salve, mestre Chapa!!!

publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 09/06/2011