Reveillon é uma palavra francesa,
revelação, para nós, portugueiros. Nos fogos que são lançados aos céus
do planeta na virada de cada ano, a simbologia da luminosidade
necessária para que cada revelação, particular ou grupal, se materialize
no rebento ano novo, parto natural.
Confesso que em todos os réveillons até agora passados,
mais do que as tais revelações acalentadas e almejadas, os artificiais
fogos simbolizam, para mim, as luzes reflexas daqueles que até pouco
tempo estavam entre nós e, por motivos diversos, oriundos deste mundo de
alegrias e tristezas, tiveram de nos deixar, na maioria das vezes,
antes do combinado.
Independente do cardápio da ceia de cada um, inegável é
rememorar ao brindarmos as taças, através da euforia dos presentes à
mesa, as figuras ausentes transcendendo seus espaços agora vazios, na
matéria, mas não na alma. Ao refletirmos, mesmo sem um mergulho muito
profundo nas lembranças, identificaremos pessoas indispensáveis que ali,
sem as taças, também estão brindando juntos, no imaginário do
inconsciente, que nessas horas, sem dúvida, nos aflora a consciência.
Cada um de nós, por mais distraído ou materialista que
seja, por menos solidário que insista em viver, por mais pragmático que
teça sua trilha, tem lá sua lista de devoções familiares elencada no
subconsciente; no âmbito geral, talvez com um pouco mais de esforço
devido à ansiedade e individualismo planetário reinantes, lembraremos
nomes que, ao fazerem sua passagem aqui embaixo, deixaram seu
indiscutível legado, seja qual for o plano analisado em destaque, se
político, econômico, social, cultural.
Pegando o gancho para o último plano acima citado, é fato
dizer que o nosso país – ainda muito longe de ser uma nação (já que não
faz o mínimo para enaltecer sua cultura genuína) – neste ano que está
se findando, ficou mais pobre, em seu capital cultural. Perdemos neste
2.012 Oscar Niemeyer, o pai da arquitetura brasileira, arquiteto do
mundo, perdemos Altamiro Carrilho, o maior flautista de todos os tempos,
não só no Brasil mas assim considerado em todo os continentes; na
esfera local perdemos o mago do violão Zé da Conceição e, mais
recentemente, de forma cruel, inimaginável, absurda – características
marcantes destes tempos em que a ciência progride e o ser humano
regride, em que a violência, por tão reincidente, acaba sendo encarada
como fato normal – perdemos a maestrina, violinista, professora Edna
Nogueira.
O querido amigo Zé da Conceição vinha, há tempos, se
degladiando com uma doença que lhe atacava o corpo, mas não sua alma,
inatacável, pois vertia sons e melodias que atuavam como antídotos aos
vírus e bactérias nascidas e propagadas pelas músicas de baixíssima
qualidade que dominam e poluem atualmente os ares brasileiros; já a Dona
Edna não padecia, até onde sabemos, de nenhuma grave patologia, era uma
fortaleza até material aos noventa e dois anos, nada a abatia, sempre
de violino e ideias em punho, sempre pronta para a próxima sonata
erudita e, de repente, um assalto, uma agressão, uma lesão gerada por um
desses seres marginais que habitam os umbrais terrenos, pôs fim, de
forma indigna e brutal, à vida de uma das maiores e brilhantes
musicistas que esta cidade viu e acolheu, onde se desenvolveu e se
envolveu, deixando herdeiros os filhos Luiz Carlos e Cecília.
Ao fazermos o brinde para o ano que vem chegando, temos a
certeza de que, por mais que fiquemos economicamente mais ricos – como
sempre dizem os políticos, para não olharmos pras mazelas da saúde e
educação nacionais – ficamos também mais pobres, culturalmente, perdemos
peças sem reposição, no tabuleiro da vida…Que repipoquem os fogos, que
as mentes se iluminem, para clarear os caminhos de 2.013, enxergando
2.012 pelo retrovisor, corrigindo as rotas equivocadas, celebrando as
boas novas, e agradecendo àqueles e àquelas que, com suas histórias,
fizeram deste um mundo melhor.