Um samba na praça

Araraquara é conhecida, desde há muito tempo, como uma cidade com muitos espaços verdes e uma alta taxa de arborização; em nossa infância e adolescência era chamada de a cidade mais limpa das três Américas. Para endossar esses números e rótulos, conta com um sem número de parques e praças…
Praça: pelo sentido primordial dado pelos dicionários da língua portuguesa, significa espaço público que propicie convivência e/ou recreação, quase que sempre associada a jardins e canteiros de flores (há, adjacente à minha residência, uma delas, cercada com grade e portão com cadeado, que também se convencionou chamar de praça, o que, aliás, me resigna a repensar o conceito dado acima, mas sem resposta, até hoje, das autoridades competentes).
Praças normalmente são compostas também por bancos – de madeira, de ferro, de concreto revestido com granilite com propagandas da Texidal, Casa Nazarian e Doceria do Zoega, antigos pontos comerciais que marcaram época – os quais propiciam ao cidadão o deleite de se sentar, meditar, conversar com o próximo, sonhar com dias melhores, apreciar a natureza florida em sua volta e, até, cantar…
Cantar…Pois foi o que ocorreu recentemente, faz dois sábados, na Praça das Bandeiras, zona central, que por algum tempo – como muitas – estava com seu nome associado à freqüência de pessoas ligadas ao tráfico de drogas e que, devido à ação de seus antigos freqüentadores, em debates acalorados no apropriadíssimo anexo – o também famoso Bar do Zinho – houver-se por bem em se fundar uma associação, a qual iria, com a ajuda de beneméritos e patrocinadores, propiciar sua reocupação – principalmente ao cair da tarde e durante o reinado noturno, períodos problemáticos – com atividades culturais, nas quais se inseriram festivais de música popular brasileira, entre variadas outras opções.
Iniciativa para ser aplaudida de pé, até ser imitada por outros munícipes de outras praças, com seus associados esclarecendo aos moradores vizinhos das reais intenções, que, com o tempo, vieram a se confirmar com o bem-estar geral de todos que hoje usufruem da mesma, contabilizando-se em medida crescente mais e mais adeptos e defensores de uma idéia simples, mas que gera trabalho, disciplina e seriedade para que não se perca em sua elogiada função social.
Pois então, sábado retrasado fomos com nossa roda de samba itinerante ocupar os bancos – e mesas – da Praça das Bandeiras, nada de palco, todos os presentes circunscritos a ela. São Pedro ajudou, contrariou os avisos de véspera que indicavam chuvas ininterruptas. O Sol reinou absoluto, uma brisa fechando o poente e trazendo a meia-Lua pra colaborar com a iluminação do espaço, repleto de jovens, idosos, meias-idade cantando, se reencontrando, brindes e brindes à nossa música popular brasileira tradicional, instrumentos de percussão e cordas sendo passados de mão em mão dos que estavam escalados para os que ficaram sabendo e foram lá dar sua contribuição, para se arregimentar as boas energias tão necessárias a serem armazenadas e utilizadas no enfrentamento do frio batente das segundas-feiras que sempre nos espreita, ciclo da vida.
Teve muita gente sambando, pedindo repertório eclético que o samba, sempre ele, não só aceita a missão como agrega novos pedidos, tal qual a performance de “Tico-tico no Fubá” em solo de assobio, diga-se de passagem, extremamente afinado.
Parabéns ao Fran, proprietário hierárquico do Bar do Zinho e coordenador da Associação Cultural ali hospedada, parabéns a todos os integrantes da mesma, pela labuta, pela alegria com que serviram a todos e, principalmente, pela oportunidade que proporcionou a quem ali esteve, por poderem, todos, se sentirem, nem que seja por algumas boas cinco horas (tempo de duração da roda de samba), os verdadeiros donos da cidade. Com certeza, velhas amizades se reencontraram, novas amizades foram ali seladas…