Um samba com choro na mata

Mata de São João é um pequeno município, a mais ou menos 60 quilômetros ao Norte de Salvador. Compreende uma região de praias paradisíacas, como a famosa Praia do Forte, referência ambiental em função dos Projetos Tamar e Baleia Jubarte ali sediados.
Vila de Pescadores, Mata de São João goza de uma particularidade não vista na maioria das comunidades caiçaras radicadas em nosso imenso litoral, já que seus nativos moradores não foram varridos para as áreas menos nobres do sítio urbano, como ocorre com o Guarujá, Porto de Galinhas e outros destinos turísticos “vips”. Pelo contrário, sua rua central – onde se dá o “footing” dos turistas – acomoda, simultaneamente, lojas de grife e, adajcentes a estas, a casa da Dona Zefa, moradora ali de há muito tempo, figura de referência que já tem seu nome em rua, como os tem outros ilustres nativos que agora não me recordo suas alcunhas.
Movimentada em todos os finais de semana – devido à proximidade e à estrada em via dupla partindo da capital baiana – reserva, todas sextas e sábados, na Casa da Nati (na rua do “footing” citada), comes/bebes/música popular brasileira, segundo o anúncio. Estando por ali, fui conferir e, para meu espanto, ao invés de se ouvir as novas pérolas do axé-music – que me parecia óbvio – surge no pequeno palco um quarteto com pandeiro, atabaque, violão de 6 cordas (muito educado, por sinal) e cavaquinho, cujo instrumentista dedilhava todas e mais algumas de Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, sem falar em Toquinho/Vinícius, Martinho da Vila, D. Ivone Lara…
Imediatamente, pedi a próxima breja e já me preparava para sugerir sambas e choros não convencionais – pois os músicos mostraram conhecimento e competência nas duas praias co-irmãs da nossa MPB – quando, providencialmente, soou o alarme do estabelecimento bancário contíguo ao bar…
Digo providencialmente pois, no exato momento do início dos terríveis agudos da sirene, aquele grupo também iniciava a execução de um pagode-de-boutique “premiado” estilo Razão Brasileira ou coisa que o valha, representantes da indigna fase da MPB da década de 1.990…Repensei a cerveja – já que o garçon não a havia trazido – enquanto a sirene tratava de encobrir aquela pobre melodia e suas medíocres rimas. Dúvida no ar…A sirene dá uma trégua, enquanto o quarteto emenda na sequência “Apanhei-te cavaquinho”, do célebre Ernesto Nazareth…Recomponho-me animadamente e, para minha sorte, o garçon chega com o líquido desejado e bem gelado. Mais alguns sambas de Paulinho da Viola, Adoniran e, acreditem se quiser, uma nova “sirenata” do banco ao lado, justamente quando os músicos iniciavam uma baladeca do Raça Negra…
Entre a cruz e a espada, decidi rapidamente – enquanto durava a estridente sirene – a pedir a conta pra não contar outra vez com a sorte…E não é que quando a mesma parou de atordoar (acho que seria melhor o verbo atenuar) os tímpanos, o cavaquinhista sai com Paulo Cesar Pinheiro e João Nogueira…Confesso que pensei em tudo nessa hora – se o cara estava de sacanagem comigo foi um dos pensamentos improváveis que vieram – e, até para guardar a integridade dos bons músicos daquela noite, paguei a conta e saí de banda…Ao chegar ao final do primeiro quarteirão em direção à pousada onde estava, adivinhem…Novamente a sirene dando a deixa…Sinceramente, não voltei ao bar para checar se novo pagode-de-boutique estava sendo executado…Seria pedir demais, não queria deletar o bom repertório que consegui ouvir em Mata de São João…