Tem certas passagens nesta nossa passagem por este andar debaixo que
realmente são dignas de se fazer um samba. Numa porta de boteco,
daqueles bem pés-sujos, como se diz na gíria popular, sempre há uma
“figura” que lá assina o ponto e, via de regra, é responsável por cenas
inusitadas que, ao serem contadas para os não freqüentadores, acabam
passando por lendas, quando não, são interpretados como conversas
daqueles que não tem o que fazer.
A cultura de boteco não é algo genuíno só do brasileiro, outros povos
fazem de pequenos espaços pontos de encontro para colocar a vida em
dia, discutirem política, futebol e música, por exemplo. No Brasil,
particularmente, esses espaços populares geralmente vão da teoria à
prática e, em muitas esquinas e praças, agrega-se uma roda de samba,
onde, entre uma e outra composição, há pausas estratégicas para acertar o
volume dos copos, comentar uma cena do cotidiano ou contar uma piada
nova de português dono de boteco.
Recentemente, estávamos em um grupo de amigos numa cidade litorânea
histórica, a qual, infelizmente, devido ao apelo turístico, não
apresentava um boteco tal o descrito nas linhas acima. Após
certificarmos que seria difícil formar uma roda de samba por aquelas
paragens, não tivemos dúvida em improvisá-la na ala de leitura da
pousada onde nos encontrávamos.
Os outros hóspedes, ao nos verem tomando conta dos bancos/cadeiras
reservadas aos jornalófilos e internautas que poderiam acessar o espaço
wifi, entre insatisfeitos e interrogativos, foram se acomodar no salão
de jogos e outros cômodos, sendo que alguns deles paravam pra ver o que
estava acontecendo…Tira-gostos improvisados, garrafas de salineiras
escolhidas a dedo e até um vaso de antúrio fazendo o papel de caneca de
chopp comunitária formavam a arquitetura da mesa central da roda de
samba…E lá vai o primeiro, o segundo, o décimo oitavo e lá pelo
centésimo quadragésimo segundo samba, Celidônio, nobre integrante da
roda, após questão aberta sobre a autoria de um deles – o qual havia
gerado controvérsia tal que simplesmente paralizou o andamento dos
“trabalhos” – proferiu a seguinte frase: “ eis aí uma questão
relevante”…
Silêncio no ambiente, olhares se cruzando, quando, nem me lembro
quem, emenda de primeira: “questão relevante…isso dá samba!!!”…E assim,
entre promessas de se fazer um samba novo a partir de frase tão
eloqüente, a discussão acabou, se emendando outros vinte e três sambas,
não se chegando à segunda dúzia devido ao adiantado da hora.
Aproveito, aqui, para convocar os participantes de tão descontraída
roda, a fim de que cumpram o acordo de, em breve, apresentarem, para
ilustrar a cena geradora, o relevante samba prometido…O samba sempre foi
questão relevante!!!
publicação original do Jornal Tribuna Impressa e portal Araraquara.com
dia 07/07/2011