SINAL DOS TEMPOS

Samba e futebol, dobradinha infalível, características genuínas de nossa brasilidade, cantadas em verso e prosa até pelo Bituca – apelido de Milton Nascimento – em “Esse é o país do futebol”, interpretação que virou sucesso com Wilson Simonal, começo da década de 1.970, ao que parece, e segundo parecer da FIFA e da CBF, está com os dias contados.
A ginga do drible, assemelhada à cadência do samba, motivadas pelas atuações de Pelé, Garrincha e o nosso Nei, célebre ponta-esquerda que foi pro Palmeiras e Seleção Brasileira – imortalizada pelas lentes lendárias das edições do famoso Canal 100 de Luiz Severiano nos aperitivos das sessões de cinema dos saudosos Cines Capri e Veneza – tende ao esquecimento, memória e futuros museus.
A conturbada dobradinha FIFA/CBF – que tanto desserviço tem provocado, modificando até códigos de conduta nos estádios brasileiros, no que concerne às bebidas alcoólicas liberadas – acaba de ditar mais uma norma, a partir da divulgação do “mascote” para a Copa 2.014, que virá a ser um tatu-bola, cujo apelido será apurado em votação pública, com três opções, aliás, nada a ver, como Zuzeco e por aí vai. Se fosse só isso, vá lá, o mascote passa, como também a Copa passará, porém – e tem sempre um porém, quando se tem abordagens ditatoriais aceitas por nossos governantes (já que o evento é da FIFA e não do Brasil, diga-se de passagem) – já há as primeiras aparições do simpático tatu, nas quais o mamífero incorpora a identidade de um funkeiro, junto a várias tatuzetes fazendo as tradicionais coreografias embaladas pelas paupérrimas melodias/versos/harmonias inerentes desse gênero musical, que, à semelhança do samba, se amoldou nos morros e periferias cariocas e, agora, nessa campanha publicitária – que infelizmente está só começando – perspassa Brasil afora como Há sedes de jogos da Copa não só no Rio de Janeiro. Imagine uma cuiabana, um amanauara, um potiguar, de raízes culturais tão diversas entre si, acostumados, por exemplo e respectivamente, com chamamés, toadas e cocos de embolada, terem que se adaptar ao ritmo do funk…Imaginemos os gaúchos com suas bombachas tendo que se rebolar pra se dizer na moda e antenados aos chamamentos do tatuzinho pelas TVs e canais cibernéticos…Nada a ver, absolutamente. Se, ao menos, em cada sede, fosse respeitada a cultura musical local, estaríamos e sairíamos fortalecidos desse processo, mas, logicamente, não é isso que a banda tocará, não sejamos ingênuos, há todo um marketing encomendado pela Confederação Brasileira – Carioca – de Futebol, com sede não em Brasília mas sim na histórica Rua da Alfândega da capital fluminense.
Muitos poderão – e deverão – dizer que já estava na hora de se romper a dobradinha samba e futebol, afinal – e sinal dos tempos – hoje até as místicas quadras das quase centenárias escolas de samba cariocas já sediam via aluguel, quase que ininterruptamente durante todo o ano, aos finais de semana, os infatigáveis bailes funk, mostrando, entre outras coisas, a mediocrização que a nossa cultura está sofrendo. Nada contra as pessoas que freqüentam esses bailes – já que elas fazem parte do imenso índice demográfico fornecido pelo IBGE, o qual é resultado da exclusão seletiva orquestrada pelo capitalismo/poder governamental durante décadas de abandono dessas populações periféricas sem infraestrutura básica (tratamento de água/esgoto/hospitais/escolas/policiamento local) –  mas tudo contra esse novo modismo, onde as belíssimas letras de Cartola – que morou muito tempo no Morro da Mangueira – as maravilhosas melodias da Dona Ivone Lara – que fincou suas raízes após sua dupla orfandade no Morro da Serrinha, Madureira – e o ritmo contagiante da bateria suburbana do Mestre André de Padre Miguel – são, de sopetão, substituídos pelas coreografias popozúdicas e suas letras(?) inimaginavelmente precárias. É, Neymar, seus dribles são de um outro tempo, o tempo do marketing, o mesmo marketing que o levou a ser comparado a Pelé, sem ter ganho nenhuma Copa do Mundo, entre outros detalhes…Vai ter que se amoldar às batidas do funk, esqueça do binário sístole/diástole do compasso coronariano, motor do corpo, em harmonia com a marcação dos surdos do samba…Sinal dos tempos, camará!!!