Trezentos e cinquenta anos de amizade

Helô, Sergião Bexiga, Felinho, Ado, Arnaldinho, Marcelo Mudança e Marcelão Parreira completaram 50 anos cada um, totalizando 350 anos de amizade. Festança que rolou no Bazuah Café até as primeiras horas do último sábado de Maio próximo passado. Tempo de amizade duradoura, apurada, tempo emoldurado por histórias e estórias infindas, algumas delas muito difíceis de serem acreditadas. No amálgama de suas nascentes marcadas na infância e adolescência, o convívio escolar, os eventos esportivos – natação, tênis e futebol preponderantes – e, claro, a música, mais especificamente o samba.
Final da década de 1.970, Arnaldinho, Marcelão e Bexiga se apoiavam no cavaco do Ieié – Rodolfo José Ferrarezi Taddei é o nome da fera, hoje em Irecê, interior baiano – para cantarolar os sambas que ouviam nas rádios e que acabavam sendo selecionados para serem comprados nas extintas Tropicália Discos, Mercantil do Lar ou  HiFi Discos do Geninho. Eu, três anos mais “experiente” e morando perto deles, mais do que rapidamente me juntei ao grupo pra “batucar” Paulinho da Viola, Agepê, Jorginho do Império, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila, Clara Nunes, Alcione, Adoniran Barbosa, enfim, nomes que despontavam no cenário sambístico da época.
Algum tempo depois Ieié se mandou pra Bandeirantes, norte paranaense, para estudar Agronomia, e, de repente, nos vimos sem os agudos acordes do cavaco. De imediato – e sem ninguém combinar nada – eu e o Arnaldinho  fomos tentar aprender cavaquinho pra não parar as rodas de samba. Sofríveis momentos de transição para quem ouvia de forma clara o belo dedilhado cavaquiano do Rodolfão e, de uma hora pra outra, ter que se contentar com “um cavaquinho ou dois” tentando dar conta do recado, coisa que até hoje nem eu nem o “Arnaldo Ô” conseguimos fazer a contento. Bexiga já arranhava uma cuíca, Marcelão desenvolvia muito bem o pandeiro – hoje está preguiçoso, toca três sambas e já se cansa – Waltinho Bergo com sua potente e bela voz chegara pra levantar a poeira, Ado desenvolvia com balanço o surdo,  Felinho batia um tamborim educadamente, enquanto a Helô – eterna namorada do Sergião Bexiga – e o Mudança apoiavam incondicionalmente todas as ações do grupo.
Outros agregados vieram pra ficar, como o Dizão “Pizza” em seu atabaque,  Henrique “Corvo” Gibran na timba/rebolo e o Decão no chocalho – além do Claudião Marcantonio (“Claudionor que não é certo”, como cantara Almir Guineto) com um terceiro cavaco, todos na mesma faixa etária, companheiros de muitas jornadas nos “esquentas” de vários carnavais (Corvo, inclusive, registrou o feito de simular e executar a cobrança de um lateral por cima do muro de vizinhança, lançando não uma bola de futebol e sim a sua timba no quintal alheio, marcando o final do jogo, digo, roda de samba). Muitas, milhares de cenas que me vem agora à mente são dignas de serem contadas aqui, mas, sinceramente, não haveriam páginas de jornal suficientes para aclará-las, mesmo porque muitos leitores poriam em dúvida a sanidade mental deste que lhes narra.
Como se tem ciência em qualquer associação de terráqueos que se invente, naturalmente alguém surge como liderança, seja por sua competência, conhecimento e/ou carisma; neste caso em questão o líder – até hoje – é Marcelão Parreira, também conhecido como Paulada – por sua forma quase lúdica e irreverente de lidar com a vida, sempre com um sorriso “despretensioso” e inimitável de ser, um cara que, a despeito da existência de Clodovil e Dener, estilistas famosos da época, acabou por lançar a moda de se usar “dockside e meia”, ele, protagonista de casos que dariam, facilmente, umas duas “barsas”(aquela enciclopédia, isso mesmo) de risadas…
Bons tempos aqueles, que se renovam, inquestionavelmente, quando os amigos se encontram…Como é bom curtir as velhas e eternas amizades…E tendo no grupo o Paulada, certeza de novas estórias e histórias, com ou sem samba…Salve  os cinqüentões e salve Milton Nascimento, afinal, “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”…